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  • ÉTICA E RELIGIÃO NA HISTÓRIA
    segunda-feira, abril 17, 2006


    -------- Comprometi-me em fornecer muitos exemplos de como as religiões promoveram ações antiéticas ao longo da história. Alguns já foram citados, mas é algo que não é necessário mais do que algumas palavras para qualquer um com um mínimo de conhecimento histórico.
    -------- Cruzadas e Guerras Santas em Geral, Inquisição e Caça às Bruxas, Conversões Forçadas, e diversas outras coisas, perpetradas por grupos de praticamente todas as religiões, são mais do que suficientes para nos convencer disso.
    -------- Muitos hão de alegar não sem razão que tais eventos se deram pela negligência da observação das próprias normas religiosas. Algo difícil de defender quando vemos diversas passagens na Bíblia ou no Corão que de fato apregoam tais posturas, ainda que sejam contrabalançadas por outras diametralmente opostas. Mas mesmo fora disso, nada muda o fato de que os sistemas religiosos parecem incapazes de deter tais processos.
    -------- Alguns podem se surpreender, mas defendo a posição de que não existem, nunca existiram, guerras de causas religiosas. Mas as religiões legitimaram muitas guerras e atrocidades, cujos verdadeiros objetivos eram políticos, e econômicos, sociais ou étnicos. Mas o raciocínio em si pouco muda, dada a já referida incapacidade das religiões de se oporem fortemente, como modos de pensar coesos, contra esses já referidos processos, muitas vezes os sacralizando.
    -------- Já forneci minha explicação básica, de que a Ética é para a religião inessencial, portanto a recorrência de posturas antiéticas em seus cânones, instituições ou membros muito pouco pode fazer para afetar suas estruturas fundamentais.
    -------- No entanto permanece na mentalidade popular a muito difundida idéia de que a Ética só é possível em bases religiosas. Pesquisas recentes inclusive tem apontado essa opinião como majoritária nas américas, destaque para a nação que recentemente reelegeu um presidente antes "eleito" num processo de votação fraudulento e que demonstrou várias posturas antiéticas em seu governo, mas que no entanto, apresenta uma imagem de homem religioso e acabou sendo acolhido pela maioria da população como um representante da moralidade.
    -------- Fenômenos como esse denotam uma tensão em nossa sociedade, um conflito de concepções morais distintas, que envolvem de um modo ou de outro as diversas tradições que a humanidade desenvolveu em termos de noções morais e éticas.
    -------- Na tradição filosófica distinguimos várias correntes de pensamento ético, em especial o Consequencialismo, o Deontologismo ou Ética dos Deveres, o Perfeccionismo ou Ética das Virtudes, o Eudaimonismo ou Ética da Felicidade, e a mais recente Ética do Cuidado. E é claro, temos as Morais Religiosas e o Sistema Jurídico.
    -------- Gostaria então de simplificar esses sistemas e estabelecer uma dicotomia de modo a explicar melhor nosso dilema contemporâneo. Num esquema que já apresentei num furioso ensaio denominado 50 MILHÕES DE CRETINOS!
    -------- Num primeiro grupo estou reunindo o Consequencialismo e boa parte do Deontologismo, bem como elementos dispersos de outras éticas. Chamo esta de ÉTICA DA FINALIDADE.
    -------- Ela propõe que o valor de uma ação está na Consequência que se tem em vista. Ou seja, não numa mera consequência ainda que acidental, mas naquilo que o agente tinha a intenção de promover. Desta forma unimos elementos de Intencionalidade presentes nas Éticas de Deveres, que ainda que subjetivos, são normalmente aceitos por todos como relevantes para avaliar o valor de uma ação ao menos num nível íntimo.
    -------- Digo que é mais ou menos essa linha de pensamento que impera no senso-comum secular.
    -------- Em contrapartida estou agrupando outra parte do Deontologismo, especificamente a parte de maior ênfase em deveres imperativos, e o Perfeccionismo, ou sua maior parte, para explicar a Moral Religiosa. Chamo a esta ÉTICA DO PRINCÍPIO.
    -------- Nesta estaria inclusa a mentalidade de senso-comum religiosa, que estaria envolvida em posturas como a que descrevi mais acima.
    -------- Como podemos ver, estou estabelecendo uma dicotomia, ou melhor, estou criando um sistema explicativo dual para entender nosso dilema contemporâneo e extremamente atual. E que no entanto, pode ser utilizado para entender todo o dilema histórico a qual tenho me referido.
    -------- Considerando que o que está em julgamento é o valor ético das ações humanas, digo que A Ética da FINALIDADE crê que o valor da ação deve ser medido no Objetivo que se quer alcançar, independente do Meio que se use. Como diria o Utilitarismo, que se lance mãe de procedimentos essencialmente anti-éticos, como o assassinato, pode ser que o resultado final possa justificar os meios, como no caso de eliminar um perigoso infanticida.
    -------- Por outro lado A Ética do PRINCÍPIO supõe que o valor ético da ação é determinado pelo seu ponto de partida, ou seja, a ação será Boa caso se baseie numa fonte Boa, no caso Deus, ou o homem virtuoso, que é aquele que está comprometido com a religião, que está, em termos cristãos protestantes, justificado pela Fé.
    -------- Creio que o dilema atual pode ser visto assim.

    O que pretendo demonstrar é que, apesar desta ÉTICA DE FINALIDADE possuir problemas, a ÉTICA DO PRINCÍPIO é contraditória, e tem como resultado as mais diversas distorções possíveis, explicando o que tem ocorrido historicamente e justificando minha Terceira Tese, que afirma que tentar derivar a Ética da Religião é extremamente problemático, se não suicida.


    -------- O motivo é simples. Enquanto a Ética da Finalidade tende a definir o Bem como aquilo que é universalmente aceito, como a Regra de Ouro, uma vez que se preocupa com o Bem Estar geral visado, a Ética do Princípio não tem como definir o Bem de nenhum modo compreensível. Ou seja, enquanto a definição de Bem da Ética de Finalidade, que seria o Bem-Estar, prazer, felicidade e etc, é meramente discutível, a definição de Bem na Ética de Princípio é simplesmente inexistente, ou quando parece existir, é fundamentalmente contraditória e vazia.
    -------- Pois se uma ação é Boa devido a partir de uma Origem Boa, como então sabemos que tal origem é de fato Boa?
    -------- Voltando ao dilema da religião: Como saber se uma instrução divina é de fato proveniente de um Deus Bom?
    -------- Se é pelo seu conteúdo, então quem define o conteúdo além de nós mesmos?
    -------- Se é pela autoridade da fonte, como então entendemos que ela é de fato Boa?
    -------- Não há resposta! No máximo pode-se dizer que tudo que vem de Deus é Bom, ou que somente o homem renascido em cristo pode agir eticamente, ou somente o que se faz justificado pela Fé. Mas nada disso explica o que é o Bem. Apenas usa a palavra como mais um sinônimo para aquilo que é determinado por um imperativo religioso inexplicável.
    -------- Posso ser acusado de estar criando uma versão espantalho da noção ética religiosa, mas tenho uma larga experiência em diálogos com religiosos, em geral protestantes, que representam muito bem essa linha de pensamento. Em especial, a idéia da Justificação pela Fé funciona como um identificador de Virtude. O "Cavaleiro da Fé", como diria Kierkegaard, é um Homem Virtuoso, e capaz de fazer o bem, ainda que Kierkegaard não ponha dessa forma. Por outro lado, nada do que a pessoa não religiosa fizer terá valor, pois neste ponto de vista as "obras são inúteis", e portanto não importa a dimensão do benefício e bem estar geral promovido por uma ação de uma pessoa não justificada pela Fé. Ela simplesmente será sem valor algum, se não fundamentalmente maligna.
    -------- Partindo do dogma fundamental do cristianismo, que é a maldade intrínseca do Ser Humano e sua incapacidade de se salvar por si próprio, adicionando-se o elemento Calvinista da Depravação Humana total, decorre que o Bem só pode advir da divindade. E finalmente cai-se então no dilema de o que afinal define o Bem nessa linha de pensamento. A resposta que tenho colecionado é, ou o silêncio, ou a repetição do dogma.
    -------- No entanto é essa linha de pensamento que elegeu um presidente tido como virtuoso por ser religiosamente comprometido, apesar de ter protagonizado posturas eticamente inaceitáveis como mentir em assuntos de geopolítica para justificar uma guerra, e ainda promovê-la sonoramente declarando ter apoio de Deus.
    -------- Com essa mesma linha de pensamento, se uma instrução supostamente derivada da divindade apregoar que devemos atirar um Boeing numa torre matando milhares de pessoas, essa ação será considerada Boa e justificada. Se apregoar que deve-se bombardear, invadir e pilhar um país "pobre", mesmo que não exatamente em nome de Deus mas em nome de Virtudes como Democracia e Liberdade, também será considerada Justa e Boa.
    -------- E assim, a Ética se auto destrói sob a Moral religiosa, cujos valores são tão permanentes quanto uma bolha de sabão, e os piores tipos de inversão podem ser feitos, esquecendo-se completamente da Regra de Ouro e perpetrando qualquer tipo de ação em benefício dos mais diversos interesses sob a máscara da moralidade.
    posted by iSygrun Woelundr @ 5:22 da tarde   0 comments
    EMPATIA: UMA NOVA DIMENSÃO DA ÉTICA


    -------- Apesar de incomensuravelmente mais defensável que a Ética de Princípio, esta Ética de Finalidade também não escapa de problemas típicos do Utilitarismo e Deontologismo. Creio eu, que tais podem ser tranquilamente superados com o uso adequado do conceito de EMPATIA.
    -------- Ela satisfaz também apelos da Ética do Cuidado, e se harmoniza perfeitamente com a Regra de Ouro, pois qualquer ação que crie um desnível de bem estar entre os envolvidos tende ao mal. Ou melhor, as ações teriam seu valor ético ampliado na medida em que contribuem para o máximo bem estar médio, respeitando a sensibilidade de cada um, o que ecoaria em parte no antigo Eudaimonismo grego.
    -------- De certa forma é isso que doutrinas de Compaixão e Caridade sugerem, inclusive a Cristã. Qualquer nível de contato entre dois indivíduos deveria considerar o sentimento de Empatia, de modo a inibir qualquer ação deliberadamente anti-ética.
    -------- Em termos práticos, isso significa estimular o sentimento de Empatia que todos temos, que pode estar adormecido mesmo por uma questão de auto defesa emocional. A desensibilização é um perigo para toda a sociedade, pois é fato notório que a maioria dos humanos tem uma resistência natural contra atos homicidas por exemplo. Há uma comprovada dificuldade em cometer um primeiro assassinato, no entanto uma série de fatores podem reduzir essa resistência, adormecendo a empatia. Há exemplos históricos grotescos, como os treinamentos de exércitos espartanos ou nazistas, que visavam estimular ao máximo a agressividade, reduzindo ao mínimo a sensibilidade.
    -------- Tivemos também ao longo da história uma cultura de apreciação do sofrimento alheio, como as vias-cruxis, esquartejamentos e torturas em praças públicas, podendo ser vistos inclusive por crianças, incinerações ao vivo e sessões de humilhação pública. Todos fatores socialmente estimulados que não faziam outra coisa que inibir ao máximo nossos impulsos altruístas espontâneos.
    -------- É uma grande conquista da civilização contemporânea ter abolido esses comportamentos hediondos, ainda que muitos deles restem. Temos estendido nossa empatia não só para outros povos, mas até mesmo para animais e plantas. É inegável que ainda temos um longo caminho a percorrer, mas hoje em dia em nosso contexto cultural já não mais é admissível uma sessão de chibatadas em praça pública.
    -------- Dessa forma, considero qualquer proposta no sentido de instituir punições cruéis e públicas uma afronta as conquistas éticas de nossa civilização contemporânea. É totalmente inaceitável que alguém hoje em dia proponha que o estado aplique castrações para estupradores, linchamentos ou punições que inevitavelmente viriam a desensibilizar os cidadãos. Por mais terríveis que sejam os crimes praticados pelos algozes da sociedade, esta tem que estar acima deles, e não agir com impulsos vingativos e métodos brutais.
    -------- Uma coisa é que alguém tenha um forte sentimento de revanche. Algo aceitável no Ser Humano, mas isso não pode ser institucionalizado como era antigamente. Fazê-lo seria uma porta aberta para o retorno de todas as formas de perversões que hoje em dia tanto nos envergonham que tenham ocorrido no passado.
    -------- Também não estou apoiando a estúpida máxima ingênua que muitas vezes vemos afirmar que o indivíduo que se vinga de um agressor na mesma moeda é tão ruim quanto o agressor. Longe disso. Praticar uma agressão equivalente por revanche é muito menos ruim do que praticar a mesma agressão por motivo fútil. O próprio judiciário reconhece isso. No entanto, concordo sim que tal ação vingativa é menos boa do que uma postura de superação e indulgência.
    -------- A temática da Empatia, ademais, permite não só uma descida da teoria ética de pedestais metafísicos para um plano material e tangível, como permite também soluções dos problemas típicos dos modelos éticos mais entrelaçados com nossa experiência concreta, como o Consequencialismo, bem como satisfaz perspectivas deontológicas de intenção.

    -------- Em termos de quantificação utilitarista, ela permitiria eliminar todas as distorções. Pois além de um valor teórico de quantidade de Bem a ser mensurado para cada indivíduo envolvido, deveria ser medido também um Índice de Empatia entre cada um dos envolvidos, e mais especificamente, o nível de diferença entre o Bem estar de cada um, dessa forma, notaremos que qualquer evento que consideramos intuitivamente como anti-ético, invariavelmente dará um resultado de valor negativo.
    -------- A fórmula para esse cálculo seria:
    -------- Onde VE é o Valor Ético. B a "Quantidade" de BEM de uma pessoa envolvida na ação, e E o nível de EMPATIA, ou no caso, o desnível entre a Quantidade de Bem de um indivíduo e a de um outro.
    -------- Citarei apenas 3 exemplos simples. Consideremos que o Bem Estar de alguém pode variar de +10 a -10, sendo este último o pior mal-estar possível. E é claro que devemos lembrar que isso se refere apenas a um valor teórico, que não poderia ser usado para finalidade práticas mas sim para compreensão de elementos da uma teoria Ética. Esse valor também é subjetivo, pois estaria levando em conta não um simples prazer imediato, mas também as perspectivas de bem-estar futuros relativos em seus mais variados níveis.
    -------- Vejamos primeiro, em cada um dos 3 exemplos, uma quantificação utilitarista simples.
    1 - Casal tendo relação sexual Harmoniosa.
    "Quantidade de Bem" do Homem = digamos, +7.
    "Quantidade" de Bem da Mulher = +8. O Resultado seria a soma dos valores, +15, o que resulta numa ação boa.
    Mas adicionemos um terceiro indivíduo, no caso um bebê cuja necessidade alimentar está sendo no momento negligenciada enquanto o casal faz amor. A criança estaria num estado de Bem de -3, por exemplo. Nesse caso, o resultado final da quantificação continuaria positivo, +12. Ou seja, apesar de sabermos que há algo eticamente errado nessa situação, a quantificação utilitarista simples ainda lhe dá um valor positivo!
    Agora vamos adicionar a medida de Empatia. Esta seria nada menos que a soma da diferença de Bem entra cada um dos envolvidos.
    Entre a Mulher e Homem = 1; Entre o Homem e o Bebê = 10; entre a Mulher e o Bebê = 11.
    Basta agora somar todos esses valores e dar-lhes um total negativo, no caso -22. Então somamos este ao nível de Bem estar da quantificação simplificada, que era +15, o resultado é -7. Ou seja, o ato, intuitivamente anti-ético, passou a ser também teórica e matematicamente anti-ético!
    Se removermos o bebê da equação, veremos que o resultado anterior diminui em um grau, caindo para +14. Essa desvaloração se dá devido ao desnível de bem entre o casal, mas o valor continua sendo positivo.
    -------- Essa desvalorização devido ao adicionamento do cálculo de empatia me parece um preço pequeno a pagar pelo ganho de compatibilização do cálculo com nossas intuições éticas fundamentais com base na regra de ouro, como poderemos ver no próximos exemplos, e lembrando de que é necessário somar as relações "empáticas" entre TODOS os envolvidos, numa análise combinatória de pares.
    - Grupo de 5 pessoas se divertindo.
    Digamos que os valores de Bem sejam +6, +5, +4, +8, e +7 e ou seja, numa quantificação simples seria +30 o resultado final. Se adicionarmos o cálculo de empatia, o que nesse caso poderia até ser dispensado, o valor irá cair para +10. Pois seriam 10 relações entre os indivíduos. Entre +6 e +5, +6 e +4... Depois entre +5 e +4, +5 e +8... Até totalizar a soma dos desníveis em todos os pares possíveis, no caso -20. O Valor Ético continuará muito positivo, mas havendo um desnível empático entre alguns indivíduos, talvez o excesso de euforia de um incomode o outro. Vê-se logo que uma maior harmonia na relação empática elevaria o nível do ato. Se todos estivessem na média, nível +6, o resultado final se manteria +30.
    Se destes, 4 estivessem num nível +9 e um deles num nível +1, o resultado simples seria +37, mas o resultado considerando as relações empáticas seria +5. Talvez caso os demais estivessem a se divertir as custas da ridicularização do outro.
    Mas se examinarmos casos mais extremos, onde os demais se divirtam as custas do intenso sofrimento do outro, mesmo que seus níveis de Bem estivessem muito elevados, o ato seria fundamentalmente anti-ético. No caso de valores +8 +9 +10 +9 e -4, para uma quantificação utilitarista simples haveria o resultado ainda positivo de +32, mas adicionando-se os valores de empatia o Valor Ético do ato cairia para -26.
    -------- Portanto essa fórmula impede as falhas típicas de quantificação utilitarista, pois onde seu modelo falha, deixando atos claramente anti-éticos receberem Valores Éticos teóricos positivos, o cálculo envolvendo Empatia sempre deixará valores claramente negativos.
    -------- Passemos para um exemplo ainda mais amplo, e sempre lembrando que esses cálculos não tem pretensões normativas pragmáticas, mas sim devidas ilustrações que simbolizem como o conceito de empatia tornaria nossas noções teóricas de ética muito mais precisas e próximas da realidade.
    3 - Batalha entre dois exércitos. Consideremos 200 envolvidos, metade de cada lado.
    Digamos que 50 destes indivíduos, guerreiros natos e habilidosos, estão num estado de larga euforia, o dito clangor da batalha, eles tem em média +6.
    Destes, 120 estão num estado de tensão devido ao perigoso combate, numa oscilação entre a excitação da ação e o medo de serem feridos ou mortos, sua média seria 0.
    E 30 "levaram a pior", sendo mortos ou gravemente feridos, ficando em estágio de sofrimento. Sua média seria -7.
    Numa quantificação simples basta multiplicar e somar os valores:
    50x6 + 120x0 + 30x-7 = 300 + 0 + -210 = +90.
    Ou seja, a quantificação utilitarista simples daria um valor positivo de +90 a essa barbárie! Apesar do que nos dizem nossas intuições.
    Agora adicionemos novamente o cálculo de Empatia. Para cada indivíduo seria necessário avaliar o desnível de bem relativo a cada um dos outros. O cálculo é muito trabalhoso sem fórmulas mais precisas, mas é evidente que o resultado é largamente negativo, pois seria avaliada a diferença entre os extremos. Num cálculo simplificado teríamos a mera diferença entre 300 e 210, que é -90, que deveria ser somada ao resultado final. Como vemos, na melhor das hipóteses o resultado seria 0! Mas na verdade seria muito menor, pois o desnível de empatia sempre traz um resultado negativo, mesmo que os dois valores sejam positivos. O somatório de todas as combinações, que para duzentos são nada menos que 19.900, seria então um número negativo extremo, a ser adicionado à equação.

    Na mesma linha, observemos que uma das maiores críticas à quantificação utilitarista cai por terra com essa dimensão de Empatia. O famoso exemplo do Coliseu, onde uma grande platéia sente um imenso prazer ao ver uma pessoa ser açoitada, torturada e morta. Na quantificação utilitarista simples, o resultado dessa ação é inegavelmente bom, basta somar os índices de Bem pessoal. O do indivíduo sofredor seria desprezível comparado ao somatório do de milhares.
    -------- John Stuart Mill tenta contornar situações como essa adicionando conceitos confusos como a distinção entre purezas do prazer, ou apelando a estranhos "Juízes Competentes", uma espécie de apelo ao Perfeccionismo, que afinal não conseguem contornar devidamente o problema sem cair em discussões metafísicas, ontológicas ou no mínimo semânticas.
    -------- Mas se simplesmente considerarmos a Empatia, teríamos que adicionar uma relação empática de cada um dos indivíduos com a vítima, ou seja, seriam milhões de valores negativos a serem considerados, que não poderiam ser compensados pelos somatório dos valores entre cada membro da platéia, pois o desnível sempre dá resultados negativos. No caso de duas pessoas em estado de Bem positivo, a diferença é pequena e não influi significativamente, mas entre a de estado positivo e a negativo, e valor aumenta largamente, passando a ser significativo.
    -------- Muito mais poderia ser dito sobre esse tema, mas na verdade tenho pretensões de trabalhá-lo num Mestrado, dado sua importância e amplitude. Espero que este trabalho sirva como uma introdução a algo muito mais amplo, um projeto literário e filosófico de largas proporções no tema da Ética.
    -------- Áqueles que não se sentirem à vontade como minha distinção operativa de Ética e Moral, basta ignorá-la, embora me pareça incômodo ter que me referir às mesmas idéias com termos como "Ética mais abrangente", ou "Moral mais restrita".
    -------- Também espero ter esclarecido minhas predileções filosóficas pelo Consequencialismo e parte do Deontologismo, em geral em detrimento de maior parte do Perfeccionismo, ainda que não tenha explanado mais claramente, especialmente sobre o Eudaimonismo e a Ética do Cuidado. Esses temas ficarão para um futuro tratamento, mas eu precisava tratar logo, aqui e agora, alguns temas introdutórios para esta disciplina de Filosofia Contemporânea, uma vez que tal assunto é extremamente contemporâneo, e sempre será. Mesmo porque no período medieval por exemplo seria impraticável defender uma ética não religiosa, com risco de vida envolvido, e a dificuldade permaneceu até boa parte da Idade Moderna.
    -------- Isso não faz com o que o tema não fosse importante antes, mas somente aqui, na Contemporaneidade, parece ser possível tratá-lo com mais segurança e profundidade, livre de certas limitações históricas.
    -------- Afinal, já disse e repito. Ética, ou Filosofia Moral, por sinal nomes que sugerem tratamento diferenciado para os termos "Ética" e "Moral", ao menos nunca vi os termos "Filosofia Ética" ou simplesmente "Moral", para se referir à disciplina filosófica.
    -------- Voltando. Ética é para mim o tema mais contundente e impactante da filosofia em termos práticos. A maioria de nós pode viver sem nada saber de Epistemologia, Ontologia, Lógica, Teologia ou Teoria da Ciência.
    -------- Mas não podemos viver sem Ética.

    Marcus Valerio XR
    BIBLIOGRAFIA
    ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL (ENCYCLOPAEDIA BRITTANICA DO BRASIL)
    KIERKEGAARD, SOREN. Temor e Tremor. Coleção Os Pensadores - Ed. Abril, São Paulo 1974
    SCHOPENHAUER, ARTHUR. Parerga e Paralipomena. Coleção Os Pensadores - Ed. Abril, SP 1974
    HUISMAN, DENIS. Dicionário dos Filósofos. - Ed. Martins Fontes, São Paulo 2001
    FEUERBACH, LUDWIG. A Essência do Cristianismo. Original de 1841.
    WRANGHAM, Richard & PETERSON, Dale. O Macho Demoníaco. - Ed. Objetiva, São Paulo 1995.
    GOULD, STEPHEN JAY. Os Pilares do Tempo. - Ed. Rocco, São Paulo
    posted by iSygrun Woelundr @ 5:20 da tarde   0 comments
    PEQUENA BIOGRAFIA DE NITZSCHE
    domingo, abril 16, 2006

    Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu a 15 de outubro de 1844 em Röcken, localidade próxima a Leipzig. Karl Ludwig, seu pai, pessoa culta e delicada, e seus dois avós eram pastores protestantes; o próprio Nietzsche pensou em seguir a mesma carreira.


    Em 1849, seu pai e seu irmão faleceram; por causa disso a mãe mudou-se com a família para Naumburg, pequena cidade às margens do Saale, onde Nietzsche cresceu, em companhia da mãe, duas tias e da avó. Criança feliz, aluno modelo, dócil e leal, seus colegas de escola o chamavam "pequeno pastor"; com eles criou uma pequena sociedade artística e literária, para a qual compôs melodias e escreveu seus primeiros versos.


    Em 1858, Nietzsche obteve uma bolsa de estudos na então famosa escola de Pforta, onde haviam estudado o poeta Novalis o filósofo Fichte (1762-1814). Datam dessa época suas leituras de Schiller (1759-1805), Hölderlin (1770-1843) e Byron (1788-1824); sob essa influência e a de alguns professores, Nietzsche começou a afastar-se do cristianismo. Excelente aluno em grego e brilhante em estudos bíblicos, alemão e latim, seus autores favoritos, entre os clássicos, foram Platão (428-348 a.C.) e Ésquilo (525-456 a.C.). Durante o último ano em Pforta, escreveu um trabalho sobre o poeta Teógnis (séc. VI a.C.). Partiu em seguida para Bonn, onde se dedicou aos estudos de teologia e filosofia, mas, influenciado por seu professor predileto, Ritschl, desistiu desses estudos e passou a residir em Leipzig, dedicando-se à filologia. Ritschl considerava a filologia não apenas história das formas literárias, mas estudos das instituições e do pensamento. Nietzsche seguiu-lhe as pegadas e realizou investigações originais sobre Diógenes Laércio (séc. III), Hesíodo (séc. VIII a.C.) e Homero. A partir desses trabalhos foi nomeado, em 1869, professor de filologia em Basiléia, onde permaneceu por dez anos. A filosofia somente passou a interessá-lo a partir da leitura de O Mundo como Vontade e Representação, de Schopenhauer (1788-1860). Nietzsche foi atraído pelo ateísmo de Schopenhauer, assim como pela posição essencial que a experiência estética ocupa em sua filosofia, sobretudo pelo significado metafísico que atribui à música.


    Em 1867, Nietzsche foi chamado para prestar o serviço militar, mas um acidente em exercício de montaria livrou-o dessa obrigação. Voltou então aos estudos na cidade de Leipzig. Nessa época teve início sua amizade com Richard Wagner (1813-1883), que tinha quase 55 anos e vivia então com Cosima, filha de Liszt (1811-1886). Nietzsche encantou-se com a música de Wagner e com seu drama musical, principalmente com Tristão e Isolda e com Os Mestres Cantores. A casa de campo de Tribschen, às margens do lago de Lucerna, onde Wagner morava, tornou-se para Nietzsche lugar d "refúgio e consolação". Na mesma época, apaixonou-se por Cosima, que viria a ser, em obra posterior, a "sonhada Ariane". Em cartas ao amigo Erwin Rohde, escrevia: "Minha Itália chama-se Tribschen e sinto-me ali como em minha própria casa". Na universidade, passou a tratar das relações entre a música e a tragédia grega, esboçando seu livro O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música.


    O Filósofo e o Músico


    Em 1870, a Alemanha entrou em guerra com a França; nessa ocasião, Nietzsche serviu o exército como enfermeiro, mas por pouco tempo, pois logo adoeceu, contraindo difteria e disenteria. Essa doença parece ter sido a origem das dores de cabeça e de estômago que acompanharam o filósofo durante toda a vida. Nietzsche restabeleceu-se lentamente e voltou a Basiléia a fim de prosseguir seus cursos.


    Em 1871, publicou O Nascimento da Tragédia, a respeito da qual se costuma dizer que o verdadeiro Nietzsche fala através das figuras de Schopenhauer e de Wagner. Nessa obra, considera Sócrates (470 ou 469 a.C.-399 a.C.) um "sedutor", por ter feito triunfar junto à juventude ateniense o mundo abstrato do pensamento. A tragédia grega, diz Nietzsche, depois de ter atingido sua perfeição pela reconciliação da "embriaguez e da forma", de Dioniso e Apolo, começou a declinar quando, aos poucos, foi invadida pelo racionalismo, sob a influência "decadente" de Sócrates. Assim, Nietzsche estabeleceu uma distinção entre o apolíneo e o dionisíaco: Apolo é o deus da clareza, da harmonia e da ordem; Dioniso, o deus da exuberância, da desordem e da música. Segundo Nietzsche, o apolíneo e o dionisíaco, complementares entre si, foram separados pela civilização. Nietzsche trata da Grécia antes da separação entre o trabalho manual e o intelectual, entre o cidadão e o político, entre o poeta e o filósofo, entre Eros e Logos. Para ele a Grécia socrática, a do Logos e da lógica, a da cidade-Estado, assinalou o fim da Grécia antiga e de sua força criadora. Nietzsche pergunta como, num povo amante da beleza, Sócrates pôde atrair os jovens com a dialética, isto é, uma nova forma de disputa (ágon), coisa tão querida pelos gregos. Nietzsche responde que isso aconteceu porque a existência grega já tinha perdido sua "bela imediatez", e tornou-se necessário que a vida ameaçada de dissolução lançasse mão de uma "razão tirânica", a fim de dominar os instintos contraditórios.


    Seu livro foi mal acolhido pela crítica, o que o impeliu a refletir sobre a incompatibilidade entre o "pensador privado" e o "professor público". Ao mesmo tempo, esperava-se com seu estado de saúde: dores de cabeça, perturbações oculares, dificuldades na fala. Interrompeu assim sua carreira universitária por um ano. Mesmo doente foi até Bayreuth, para assistir à apresentação de O Anel dos Nibelungos, de Wagner. Mas o "entusiasmo grosseiro" da multidão e a atitude de Wagner embriagado pelo sucesso o irritaram.


    Terminada a licença da universidade para que tratasse da saúde, Nietzsche voltou à cátedra. Mas sua voz agora era tão imperceptível que os ouvintes deixaram de freqüentar seus cursos, outrora tão brilhantes. Em 1879, pediu demissão do cargo. Nessa ocasião, iniciou sua grande crítica dos valores, escrevendo Humano, Demasiado Humano; seus amigos não o compreenderam. Rompeu as relações de amizade que o ligavam a Wagner e, ao mesmo tempo, afastou-se da filosofia de Schopenhauer, recusando sua noção de "vontade culpada" e substituindo-a pela de "vontade alegre"; isso lhe parecia necessário para destruir os obstáculos da moral e da metafísica. O homem, dizia Nietzsche, é o criador dos valores, mas esquece sua própria criação e vê neles algo de "transcendente", de "eterno" e "verdadeiro", quando os valores não são mais do que algo "humano, demasiado humano".


    Nietzsche, que até então interpretara a música de Wagner como o "renascimento da grande arte da Grécia", mudou de opinião, achando que Wagner inclinava-se ao pessimismo sob a influência de Schopenhauer. Nessa época Wagner voltara-se, ao mesmo tempo, a recusa do cristianismo e de Schopenhauer; para Nietzsche, ambos são parentes porque são a manifestação da decadência, isto é, da fraqueza e da negação. Irritado com o antigo amigo, Nietzsche escreveu: "Não há nada de exausto, nada de caduco, nada de perigoso para a vida, nada que calunie o mundo no reino do espírito, que não tenha encontrado secretamente abrigo em sua arte; ele dissimula o mais negro obscurantismo nos orbes luminosos do ideal. Ele acaricia todo o instinto niilista (budista) e embeleza-o com a música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda expressão religiosa de decadência" .


    Solidão, Agonia e Morte


    Em 1880, Nietzsche publicou O Andarilho e sua Sombra: um ano depois apareceu Aurora, com a qual se empenhou "numa luta contra a moral da auto-renúncia". Mais uma vez, seu trabalho não foi bem acolhido por seus amigos; Erwin Rohde nem chegou a agradecer-lhe o recebimento da obra, nem respondeu à carta que Nietzsche lhe enviara. Em 1882, veio à luz A Gaia Ciência, depois Assim falou Zaratustra (1884), Para Além de Bem e Mal (1886), O Caso Wagner, Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche contra Wagner (1888). Ecce Homo, Ditirambos Dionisíacos, O Anticristo e Vontade de Potência só apareceram depois de sua morte.


    Durante o verão de 1881, Nietzsche residiu em Haute-Engandine, na pequena aldeia de Silvaplana, e, durante um passeio, teve a intuição de O Eterno Retorno, redigido logo depois. Nessa obra defendeu a tese de que o mundo passa indefinidamente pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. De Silvaplana, Nietzsche transferiu-se para Gênova, no outono de 1881, e depois para Roma, onde permaneceu por insistência de Fräulein von Meysenburg, que pretendia casá-lo com uma jovem finlandesa, Lou Andreas Salomé. Em 1882, Nietzsche propôs-lhe casamento e foi recusado, mas Lou Andreas Salomé desejou continuar sua amiga e discípula. Encontraram-se mais tarde na Alemanha; porém, não houve a esperada adesão à filosofia nietzschiana e, assim, acabaram por se afastar definitivamente.


    Em seguida, retornou à Itália, passando o inverno de 1882-1883 na baía de Rapallo. Em Rapallo, Nietzsche não se encontrava bem instalado; porém, "foi durante o inverno e no meio desse desconforto que nasceu o meu nobre Zaratustra".


    No outono de 1883 voltou para a Alemanha e passou a residir em Naumburg, em companhia da mãe e da irmã. Apesar da companhia dos familiares, sentia-se cada vez mais só. Além disso, mostrava-se muito contrariado, pois sua irmã tencionava casar-se com Herr Foster, agitador anti-semita, que pretendia fundar uma empresa colonial no Paraguai, como reduto da cristandade teutônica. Nietzsche desprezava o anti-semitismo, e, não conseguindo influenciar a irmã, abandonou Naumburg.


    Em princípio de abril de 1884 chegou a Veneza, partindo depois para a Suíça, onde recebeu a visita do barão Heinrich von Stein, jovem discípulo de Wagner. Von Stein esperava que o filósofo o acompanhasse a Bayreuth para ouvir o Parsifal, talvez pretendendo ser o mediador para que Nietzsche não publicasse seu ataque contra Wagner. Por seu lado, Nietzsche viu no rapaz um discípulo capaz de compreender o seu Zaratustra. Von Stein, no entanto, veio a falecer muito cedo, o que o amargurou profundamente, sucedendo-se alternâncias entre euforia e depressão. Em 1885, veio a público a Quarta parte de Assim falou Zaratustra; cada vez mais isolado, o autor só encontrou sete pessoas a quem enviá-la. Depois disso, viajou para Nice, onde veio a conhecer o intelectual alemão Paul Lanzky, que lera Assim falou Zaratustra e escrevera um artigo, publicado em um jornal de Leipzig e na Revista Européia de Florença. Certa vez, Lanzky se dirigiu a Nietzsche tratando-o de "mestre" e Nietzsche lhe respondeu: "Sois o primeiro que me trata dessa maneira".


    Depois de 1888, Nietzsche passou a escrever cartas estranhas. Um ano mais tarde, em Turim, enfrentou o auge da crise; escrevia cartas ora assinando "Dioniso", ora "o Crucificado" e acabou sendo internado em Basiléia, onde foi diagnosticada uma "paralisia progressiva". Provavelmente de origem sifilítica, a moléstia progrediu lentamente até a apatia e a agonia. Nietzsche faleceu em Weimar, a 25 de agosto de 1900.


    O Dionisíaco e o Socrático


    Nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios de expressão: o aforismo e o poema. Isso trouxe como conseqüência uma nova concepção da filosofia e do filósofo: não se trata mais de procurar o ideal de um conhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e avaliar. A interpretação procuraria fixar o sentido de um fenômeno, sempre parcial e fragmentário; a avaliação tentaria determinar o valor hierárquico desses sentidos, totalizando os fragmentos, sem, no entanto, atenuar ou suprimir a pluralidade. Assim, o aforismo nietzschiano é, simultaneamente, a arte de interpretar e a coisa a ser interpretada, e o poema constitui a arte de avaliar e a própria coisa a ser avaliada. O intérprete seria uma espécie de fisiologista e de médico, aquele que considera os fenômenos como sintomas e fala por aforismos; o avaliador seria o artista que considera e cria perspectivas, falando pelo poema. Reunindo as duas capacidades, o filósofo do futuro deveria ser artista e médico-legislador, ao mesmo tempo.


    Para Nietzsche, um tipo de filósofo encontra-se entre os pré-socráticos, nos quais existe unidade entre o pensamento e a vida, esta "estimulando" o pensamento, e o pensamento "afirmando" a vida. Mas o desenvolvimento da filosofia teria trazido consigo a progressiva degeneração dessa característica, e, em lugar de uma vida ativa e de um pensamento afirmativo, a filosofia ter-se-ia proposto como tarefa "julgar a vida", opondo a ela valores pretensamente superiores, mediando-a por eles, impondo-lhes limites, condenando-a. Em lugar do filósofo-legislador, isto é, crítico de todos os valores estabelecidos e criador de novos, surgiu o filósofo metafísico. Essa degeneração, afirma Nietzsche, apareceu claramente com Sócrates, quando se estabeleceu a distinção entre dois mundos, pela oposição entre essencial e aparente, verdadeiro e falso, inteligível e sensível. Sócrates "inventou" a metafísica, diz Nietzsche, fazendo da vida aquilo que deve ser julgado, medido, limitado, em nome de valores "superiores" como o Divino, o Verdadeiro, o Belo, o Bem. Com Sócrates, teria surgido um tipo de filósofo voluntário e sutilmente "submisso", inaugurando a época da razão e do homem teórico, que se opôs ao sentido místico de toda a tradição da época da tragédia.


    Para Nietzsche, a grande tragédia grega apresenta como característica o saber místico da unidade da vida e da morte e, nesse sentido, constitui uma "chave" que abre o caminho essencial do mundo. Mas Sócrates interpretou a arte trágica como algo irracional, algo que apresenta efeitos sem causas e causas sem efeitos, tudo de maneira tão confusa que deveria ser ignorada. Por isso Sócrates colocou a tragédia na categoria das artes aduladoras que representam o agradável e não o útil e pedia a seus discípulos que se abstivessem dessas emoções "indignas de filósofos". Segundo Sócrates, a arte da tragédia desvia o homem do caminho da verdade: "uma obra só é bela se obedecer à razão", formula que, segundo Nietzsche, corresponde ao aforismo "só o homem que concebe o bem é virtuoso". Esse bem ideal concebido por Sócrates existiria em um mundo supra-sensível, no "verdadeiro mundo", inacessível ao conhecimento dos sentidos, os quais só revelariam o aparente e irreal. Com tal concepção, criou-se, segundo Nietzsche, uma verdadeira oposição dialética entre Sócrates e Dioniso: "enquanto em todos os homens produtivos o instinto é uma força afirmativa e criadora, e a consciência uma força crítica e negativa, em Sócrates o instinto torna-se crítico e a consciência criadora". Assim, Sócrates, o "homem teórico", foi o único verdadeiro contrário do homem trágico e com ele teve início uma verdadeira mutação no entendimento do Ser. Com ele, o homem se afastou cada vez mais desse conhecimento, na medida em que abandonou o fenômeno do trágico, verdadeira natureza da realidade, segundo Nietzsche. Perdendo-se a sabedoria instintiva da arte trágica, restou a Sócrates apenas um aspecto da vida do espírito, o aspecto lógico-racional; faltou-lhe a visão mística, possuído que foi pelo instinto irrefreado de tudo transformar em pensamento abstrato, lógico, racional. Penetrar a própria razão das coisas, distinguindo o verdadeiro do aparente e do erro era, para Sócrates, a única atividade digna do homem. Para Nietzsche, porém, esse tipo de conhecimento não tarda a encontrar seus limites: "esta sublime ilusão metafísica de um pensamento puramente racional associa-se ao conhecimento como um instinto e o conduz incessantemente a seus limites onde este se transforma em arte".


    Por essa razão, Nietzsche combateu a metafísica, retirando do mundo supra-sensível todo e qualquer valor eficiente, e entendendo as idéias não mais como "verdades" ou "falsidades", mas como "sinais". A única existência, para Nietzsche, é a aparência e seu reverso não é mais o Ser; o homem está destinado à multiplicidade, e a única coisa permitida é sua interpretação.


    O Vôo da Águia, a Ascensão da Montanha


    A crítica nietzschiana à metafísica tem um sentido ontológico e um sentido moral: o combate à teoria das idéias socrático-platônicas é, ao mesmo tempo, uma luta acirrada contra o cristianismo.


    Segundo Nietzsche, o cristianismo concebe o mundo terrestre como um vale de lágrimas, em oposição ao mundo da felicidade eterna do além. Essa concepção constitui uma metafísica que, à luz das idéias do outro mundo, autêntico e verdadeiro, entende o terrestre, o sensível, o corpo, como o provisório, o inautêntico e o aparente. Trata-se, portanto, diz Nietzsche, de "um platonismo para o povo", de uma vulgarização da metafísica, que é preciso desmistificar. O cristianismo, continua Nietzsche, é a forma acabada da perversão dos instintos que caracteriza o platonismo, repousando em dogmas e crenças que permitem à consciência fraca e escava escapar à vida, à dor e à luta, e impondo a resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos e os vencidos da vida que inventaram o além para compensar a miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes; forjaram o mito da salvação da alma porque não possuíam o corpo; criaram a ficção do pecado porque não podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida. "Este ódio de tudo que é humano", diz Nietzsche, "de tudo que é 'animal' e mais ainda de tudo que é 'matéria', este temor dos sentidos... este horror da felicidade e da beleza; este desejo de fugir de tudo que é aparência, mudança, dever, morte, esforço, desejo mesmo, tudo isso significa... vontade de aniquilamento, hostilidade à vida, recusa em se admitir as condições fundamentais da própria vida".


    Nietzsche propôs a si mesmo a tarefa de recuperar a vida e transmutar todos os valores do cristianismo: "munido de uma tocha cuja luz não treme, levo uma claridade intensa aos subterrâneos do ideal". A imagem da tocha simboliza, no pensamento de Nietzsche, o método filológico, por ele concebido como um método crítico e que se constitui no nível da patologia, pois procura "fazer falar aquilo que gostaria de permanecer mudo". Nietzsche traz à tona, por exemplo, um significado esquecido da palavra "bom". Em latim, bonus significa também o "guerreiro", significado este que foi sepultado pelo cristianismo. Assim como esse, outros significados precisariam ser recuperados; com isso se poderia constituir uma genealogia da moral que explicaria as etapas das noções de "bem" e de "mal". Para Nietzsche essas etapas são o ressentimento ("é tua culpa se sou fraco e infeliz"); a consciência da culpa (momento em que as formas negativas se interiorizam, dizem-se culpadas e voltam-se contra si mesmas); e o ideal ascético (momento de sublimação do sofrimento e de negação da vida). A partir daqui, a vontade de potência torna-se vontade de nada e a vida transforma-se em fraqueza e mutilação, triunfando o negativo e a reação contra a ação. Quando esse niilismo triunfa, diz Nietzsche, a vontade de potência deixa de querer significar "criar" para querer dizer "dominar"; essa é a maneira como o escravo a concebe. Assim, na fórmula "tu és mau, logo eu sou bom", Nietzsche vê o triunfo da moral dos fracos que negam a vida, eu negam a "afirmação"; neles tudo é invertido: os fracos passam a se chamar fortes, a baixeza transforma-se em nobreza. A "profundidade da consciência" que busca o Bem e a Verdade, diz Nietzsche, implica resignação, hipocrisia e máscara, e o intérprete-filólogo, ao percorrer os signos para denunciá-las, deve ser um escavador dos submundos a fim de mostrar que a "profundidade da interioridade" é coisa diferente do que ela mesma pretende ser. Do ponto de vista do intérprete que desça até os bas-fonds da consciência, o Bem é a vontade do mais forte, do "guerreiro", do arauto de um apelo perpétuo à verdadeira ultrapassagem dos valores estabelecidos, do super-homem, entendida esta expressão no sentido de um ser humano que transpõe os limites do humano, é o além-do-homem. Assim, o vôo da águia, a ascensão da montanha e todas as imagens de verticalidade que se encontram em Assim falou Zaratustra representam a inversão da profundidade e a descoberta de que ela não passa de um jogo de superfície.


    A etimologia nietzschiana mostra que não existe um "sentido original", pois as próprias palavras não passam de interpretações, antes mesmo de serem signos, e se elas só significam porque são "interpretações essenciais". As palavras, segundo Nietzsche, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um significado, mas impõem uma interpretação. O trabalho do etimologista, portanto, deve centralizar-se no problema de saber o que existe para ser interpretado, na medida em que tudo é máscara, interpretação, avaliação. Fazer isso é "aliviar o que vive, dançar, criar". Zaratustra, o intérprete por excelência, é como Dioniso.


    Os Limites do Humano: O Além-do-Homem


    Em Ecce Homo, Nietzsche assimila Zaratustra a Dioniso, concebendo o primeiro como o triunfo da afirmação da vontade de potência e o segundo como símbolo do mundo como vontade, como um deus artista, totalmente irresponsável, amoral e superior ao lógico. Por outro lado, a arte trágica é concebida por Nietzsche como oposta à decadência e enraizada na antinomia entre a vontade de potência, aberta para o futuro, e o "eterno retorno", que faz do futuro numa repetição; esta, no entanto, não significa uma volta do mesmo nem uma volta ao mesmo; o eterno retorno nietzschiano é essencialmente seletivo. Em dois momentos de Assim falou Zaratustra (Zaratustra doente e Zaratustra convalescente), o eterno retorno causa ao personagem-título, primeiramente, uma repulsa e um medo intoleráveis que desaparecem por ocasião de sua cura, pois o que o tornava doente era a idéia de que o eterno retorno estava ligado, apesar de tudo, a um ciclo, e que ele faria tudo voltar, mesmo o homem, o "homem pequeno". O grande desgosto do homem, diz Zaratustra, aí está o que me sufocou e que me tinha entrado na garganta e também o que me tinha profetizado o adivinho: tudo é igual. E o eterno retorno, mesmo do mais pequeno, aí está a causa de meu cansaço e de toda a existência. Dessa forma, se Zaratustra se cura é porque compreende que o eterno retorno abrange o desigual e a seleção. Para Dioniso, o sofrimento, a morte e o declínio são apenas a outra face da alegria, da ressurreição e da volta. Por isso, "os homens não têm de fugir à vida como os pessimistas", diz Nietzsche, "mas, como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais".


    Para Nietzsche, portanto, o verdadeiro oposto a Dioniso não é mais Sócrates, mas o Crucificado. Em outros termos, a verdadeira oposição é a que contrapõe, de um lado, o testemunho contra a vida e o empreendimento de vingança que consiste em negar a vida; de outro, a afirmação do devir e do múltiplo, mesmo na dilaceração dos membros dispersos de Dioniso. Com essa concepção, Nietzsche responde ao pessimismo de Schopenhauer: em lugar do desespero de uma vida para a qual tudo se tornou vão, o homem descobre no eterno retorno a plenitude de uma existência ritmada pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. O eterno retorno, e apenas ele, oferece, diz Nietzsche, uma "saída fora da mentira de dois mil anos", e a transmutação dos valores traz consigo o novo homem que se situa além do próprio homem.


    Esse super-homem nietzschiano não é um ser, cuja vontade "deseje dominar". Se se interpreta vontade de potência, diz Nietzsche, como desejo de dominar, faz-se dela algo dependente dos valores estabelecidos. Com isso, desconhece-se a natureza da vontade de potência como princípio plástico de todas as avaliações e como força criadora de novos valores. Vontade de potência, diz Nietzsche, significa "criar", "dar" e "avaliar".


    Nesse sentido, a vontade de potência do super-homem nietzschiano o situa muito além do bem e do mal e o faz desprender-se de todos os produtos de uma cultura decadente. A moral do além-do-homem, que vive esse constante perigo e fazendo de sua vida uma permanente luta, é a moral oposta à do escravo e à do rebanho. Oposta, portanto, à moral da compaixão, da piedade, da doçura feminina e cristã. Assim, para Nietzsche, bondade, objetividade, humildade, piedade, amor ao próximo, constituem valores inferiores, impondo-se sua substituição pela virtù dos renascentistas italianos, pelo orgulho, pelo risco, pela personalidade criadora, pelo amor ao distante. O forte é aquele em que a transmutação dos valores faz triunfar o afirmativo na vontade de potência. O negativo subsiste nela apenas como agressividade própria à afirmação, como a crítica total que acompanha a criação; assim, Zaratustra, o profeta do além-do-homem, é a pura afirmação, que leva a negação a seu último grau, fazendo dela uma ação, uma instância a serviço daquele que cria, que afirma.


    Compreende-se, assim, porque Nietzsche desacredita das doutrinas igualitárias, que lhe parecem "imorais", pois impossibilitam que se pense a diferença entre os valores dos "senhores e dos escravos". Nietzsche recusa o socialismo, mas em Vontade de Potência exorta os operários a reagirem "como soldados".


    Uma Filosofia Confiscada


    Apoiado na crítica nietzschiana aos valores da moral cristã, em sua teoria da vontade de potência e no seu elogio do super-homem, desenvolveu-se um pensamento nacionalista e racista, de tal forma que se passou a ver no autor de Assim Falou Zaratustra um percursor do nazismo. A principal responsável por essa deformação foi sua irmã Elisabeth, que, ao assegurar a difusão de seu pensamento, organizando o Nietzsche-Archiv, em Weimar, tentou colocá-lo a serviço do nacional-socialismo. Elisabeth, depois do suicídio do marido, que fracassara em um projeto colonial no Paraguai, reuniu arbitrariamente notas e rascunhos do irmão, fazendo publicar Vontade de Potência como a última e a mais representativa das obras de Nietzsche, retendo até 1908 Ecce Homo, escrita em 1888. Esta obra constitui uma interpretação, feita por Nietzsche, de sua própria filosofia, que não se coaduna com o nacionalismo e o racismo germânicos. Ambos foram combatidos pelo filósofo, desde sua participação na guerra franco-prussiana (1870-1871).


    Por ocasião desse conflito, Nietzsche alistou-se no exército alemão, mas seu ardor patriótico logo se dissolveu, pois, para ele, a vitória da Alemanha sobre a França teria como conseqüência "um poder altamente perigoso para a cultura". Nessa época, aplaudia as palavras de seu colega em Basiléia, Jacob Burckhardt (1818-1897), que insistia junto a seus alunos para que não tomassem o triunfo militar e a expansão de um Estado como indício de verdadeira grandeza.


    Em Para Além de Bem e Mal, Nietzsche revela o desejo de uma Europa unida para enfrentar o nacionalismo ("essa neurose") que ameaçava subverter a cultura européia. Por outro lado, quando confiou ao "louro" a tarefa de "virilizar a Europa", Nietzsche levou até a caricatura seu desprezo pelos alemães, homens "que introduziram no lugar da cultura a loucura política e nacional... que só sabem obedecer pesadamente, disciplinados como uma cifre oculta em um número". No mesmo sentido, Nietzsche caracterizou os heróis wagnerianos como germanos que não passam de "obediência e longas pernas". E acabou rompendo definitivamente com Wagner, por causa do nacionalismo e anti-semitismo do autor de Tristão e Isolda: "Wagner condescende a tudo que desprezo, até o anti-semitismo".


    Para compreender corretamente as idéias políticas de Nietzsche, é necessário, portanto, purificá-lo de todos os desvios posteriores que foram cometidos em seu nome. Nietzsche foi ao mesmo tempo um antidemocrático e um antitotalitário. "A democracia é a forma histórica de decadência do Estado", afirmou Nietzsche, entendendo por decadência tudo aquilo que escraviza o pensamento, sobretudo um Estado que pensa em si em lugar de pensar na cultura. Em Considerações Extemporâneas essa tese é reforçada: "estamos sofrendo as conseqüências das doutrinas pregadas ultimamente por todos os lados, segundo as quais o estado é o mais alto fim do homem, e, assim, não há mais elevado fim do que servi-lo. Considero tal fato não um retrocesso ao paganismo mas um retrocesso à estupidez". Por outro lado, Nietzsche não aceitava as considerações de que a origem do Estado seja o contrato ou a convenção; essas teorias seriam apenas "fantásticas"; para ele, ao contrário, o Estado tem uma origem "terrível", sendo criação da violência e da conquista e, como conseqüência, seus alicerces encontram-se na máxima que diz: "o poder dá o primeiro direito e não há direito que no fundo não seja arrogância, usurpação e violência".


    O Estado, diz Nietzsche, está sempre interessado na formação de cidadãos obedientes e tem, portanto, tendência a impedir o desenvolvimento da cultura livre, tornando-a estática e estereotipada. Ao contrário disso, o Estado deveria ser apenas um meio para a realização da cultura e para fazer nascer o além-do-homem.


    Assim Falou Zaratustra


    Em Ecce Homo, Nietzsche intitulou seus capítulos: "Por que sou tão finalista?", "Por que sou tão sábio?", "Por que sou tão inteligente?", "Por que escrevo livros tão bons?". Isso levou muitos a considerarem sua obra como anormal e desqualificada pela loucura. Essa opinião, no entanto, revela um superficial entendimento de seu pensamento. Para entendê-lo corretamente, é necessário colocar-se dentro do próprio núcleo de sua concepção da filosofia: Nietzsche inverteu o sentido tradicional da filosofia, fazendo dela um discurso ao nível da patologia e considerando a doença "um ponto de vista" sobre a saúde e vice-versa. Para ele, nem a saúde, nem a doença são entidades; a fisiologia e a patologia são uma única coisa; as oposições entre bem e mal, verdadeiro e falso, doença e saúde são apenas jogos de superfície. Há uma continuidade, diz Nietzsche, entre a doença e a saúde e a diferença entre as duas é apenas de grau, sendo a doença um desvio interior à própria vida; assim, não há fato patológico.


    A loucura não passa de uma máscara que esconde alguma coisa, esconde um saber fatal e "demasiado certo". A técnica utilizada pelas classes sacerdotais para a cura da loucura é a "meditação ascética", que consiste em enfraquecer os instintos e expulsar as paixões; com isso, a vontade de potência, a sensualidade e o livre florescimento do eu são considerados "manifestações diabólicas". Mas, para Nietzsche, aniquilar as paixões é uma "triste loucura", cuja decifração cabe à filosofia, pois é a loucura que torna mais plano o caminho para as idéias novas, rompendo os costumes e as superstições veneradas e constituindo uma verdadeira subversão dos valores. Para Nietzsche, os homens do passado estiveram mais próximos da idéia de que onde existe loucura há um grão de gênio e de sabedoria, alguma coisa de divino: "Pela loucura os maiores feitos foram espalhados foram espalhados pela Grécia". Em suma, aos "filósofos além de bem e mal", aos emissários dos novos valores e da nova moral não resta outro recurso, diz Nietzsche, a não ser o de proclamar as novas leis e quebrar o jugo da moralidade, sob o travestimento da loucura. É dentro dessa perspectiva, portanto, que se deve compreender a presença da loucura na obra de Nietzsche. Sua crise final apenas marcou o momento em que a "doença" saiu de sua obra e interrompeu seu prosseguimento. As últimos cartas de Nietzsche são o testemunho desse momento extremo e, como tal, pertencem ao conjunto de sua obra e de seu pensamento. A filosofia foi, para ele, a arte de deslocar as perspectivas, da saúde à doença, e a loucura deveria cumprir a tarefa de fazer a crítica escondida da decadência dos valores e aniquilamento: "Na verdade, a doença pode ser útil a um homem ou a uma tarefa, ainda que para outros signifique doença... Não fui um doente nem mesmo por ocasião da maior enfermidade".
    posted by iSygrun Woelundr @ 12:59 da tarde   0 comments
    livro on line: ASSIM FALOU NIETZSCHE - O QUE FAZER PARA VIVER BEM COM O MAL?

    (O SOFRIMENTO EM FRIEDRICH NIETZSCHE)
    Reis Sarmiento
    Este texto faz parte do livro Assim Falou Nietzsche,

    Examinaremos a questão do mal, da dor e do sofrimento subordinada à distinção que Nietzsche faz entre uma moral de escravos e uma moral de senhores. Toda a Genealogia da moral, com a investigação que empreende sobre a origem dos valores de bem e mal conduz a esta distinção, já antecipada no livro imediatamente anterior, Além do bem e do mal (especialmente no capítulo "O que é nobre?"). Quanto ao sofrimento e à dor, veremos de que modo o nobre e o escravo os vivenciam.
    Logo no começo da Genealogia da moral, Nietzsche critica os historiadores da moral ingleses, especialmente o Dr. Paul Rée e seu livro A origem das impressões morais, dizendo que a origem que estes atribuem ao conceito bom está no "lugar errado" , a saber, proveniente daqueles aos quais se fez o bem, os passivos, fracos e necessitados de todo o tipo. Segundo estes historiadores, os receptores de ações nãoegoístas batizaramnas de boas por lhes serem úteis.
    Para Nietzsche, a origem do conceito bom está no pathos da distância, ou seja, no sentimento de superioridade e plenitude dos nobres "em posição e pensamento "em relação aos escravos. Foram os bons que nomearam a si mesmos e aos seus atos como bons. Foram eles que assumiram a tarefa de criação de valores, de estabelecimento de hierarquias. Tal origem não tem necessariamente algo a ver com ações egoístas ou não egoístas. Segundo Nietzsche, a visão dos genealogistas ingleses denuncia exatamente o declínio dos valores aristocráticos e a voga dos valores escravos, ou seja, dos valores do rebanho.
    Para chegar a essa conclusão, Nietzsche procedeu a uma investigação etimológica da palavra bom nas mais diversas línguas. Descobriu assim:
    que em toda parte "nobre", "aristocrático", no sentido social, é o conceito básico a partir do qual necessariamente se desenvolveu "bom" no sentido de "espiritualmente bemnascido", "espiritualmente privilegiado": um desenvolvimento que sempre corre paralelo àquele outro que faz "plebeu", "comum", '`baixo", transmutarse finalmente em "ruim".1
    Segundo o filósofo, foram os judeus os responsáveis pela inversão dos valores aristocráticos que associavam "bom = nobre = poderoso = belo = feliz = caro ao deuses" e passaram a considerar bons somente os fracos, miseráveis, doentes e infelizes. Tal inversão triunfou na História por meio do Cristianismo. Foi por meio dela que os judeus conseguiram, do modo mais espiritual (como deve ser num povo de sacerdotes), vingarse de seus inimigos e conquistadores.
    O senhor, o nobre, o forte, que são sinônimos para Nietzsche, aplica bom e mau ao que lhe apetece, afirmando seu desejo, sua vontade, contra toda limitação moral. Ao escravo só resta submeterse à vontade forte do outro, seu antípoda feito para o mando.
    A piedade não é apenas (e só aparentemente) humilhante para o fraco. Ela pode serlhe útil, e muito. Fracos das mais diversas procedências fazem uso do dispositivo da piedade para derrubar, devagar e sutilmente, os fortes de todo o mundo. Nas palavras do próprio Nietzsche: "Por caminhos oblíquos, introduzse o mais fraco na fortaleza e até no coração do mais forte e, ali, furta poder".2
    Os homens não são, de acordo com Nietzsche, iguais. Em cada um deles há uma quantidade de vontade diferente e um arranjo interno de instintos podese mesmo dizer uma luta de instintos na qual o mais forte, "o tirano em nós", vence, suplantando até mesmo nossa razão e nossa consciência,3 que para Nietzsche nada mais é do que um órgão como o estômago. Consciência, espírito têm para ele o mesmo estatuto de um órgão do corpo.4 Esta foi a maneira que Nietzsche encontrou para reabilitar o corpo e os sentidos no campo da filosofia, que desde Sócrates foram vistos como obstáculos ou órgãos menores do conhecimento e do pensamento,5 como elementos impuros contrapostos à pureza da alma ou da razão. A análise feita por Nietzsche da máconsciência revela o quanto a consciência pode ser "impura"; não é no corpo nem na matéria que está a sujeira mas sim no pensamento que as acompanha, o corpo do asceta é sujo porque ele assim o considera, assim como o corpo do superhomem, que tem o sentido
    da terra, tem a inocência de um corpo de criança.
    É ingênuo crer que os homens nutrem naturalmente boas disposições para com os outros. Os homens só nutrem qualquer tipo de sentimento, bom ou mau, favorável ou desfavorável, por aqueles que lhe são de alguma forma próximos. O criador, o nobre, o senhor, jamais se apaixonará ou mesmo odiará um escravo porque entre eles há um abismo; eles não pertencem ao mesmo universo. O sentido que o pr
    imeiro dá às coisas é totalmente estranho ao sentido dado a essas mesmas coisas pelo escravo. Não há aproximação possível entre senhor e escravo, a não ser pela via da dominação do segundo pelo primeiro. Não há investimento afetivo no desprezo, ele é apenas a constatação do abismo que separa um homem do outro.6 O verdadeiro inimigo não é aquele que desprezamos; ao contrário, o verdadeiro inimigo é bom e por isso próximo, ameaçador, irritante por suas qualidades. Assumir que o inimigo é aquele que incomoda por sentirmonos de alguma forma inferiorizados diante dele é "rebatizar nosso lado mau de nosso lado melhor".7 É preciso adotar nossa própria vileza. Só há inimigos dentre os membros de uma aristocracia do espírito. Não há inimigos desprezíveis.
    Há um exemplo que me parece muito útil para a compreensão do que seja nobre para Nietzsche. Tratase de uma cena do filme Henrique V, baseado na peça homônima de William Shakespeare: o rei da Inglaterra Henrique V tenta beijar sua prima Catarina da França após vencer a guerra contra este país e obter o direito de desposála. Catarina foge delicadamente, dizendo ser contra os costumes de seu país beijar antes do casamento; Henrique responde que os reis não precisam submeterse aos costumes pois são eles mesmos que os criam.8 Para Nietzsche, esta afirmação do rei seria uma afirmação de senhor, de forte, de criador de valores, de guerreiro. A vontade do senhor é imperiosa. Um nobre emana luz, ajunta nuvens,9 e naturalmente não se dobra a vontades alheias. Antes são estas que a ele se submetem, sem grandes protestos. Há no nobre uma "insustentável leveza", um "savoirfaire" que não passa desapercebido em lugar nenhum. O nobre, tal como Nietzsche o descreve, é aquele que chama
    atenção mas ninguém sabe dizer por quê. Apenas outros nobres são capazes de reconhecêlo como alguém que, como eles, está "na sua".
    Já o escravo é mole, sem vigor, excitável apenas ao contato com a vida alheia. Adora mexericos de toda espécie e desenvolve técnicas especiais de vingança que são sua única manifestação de poder. Tenta apropriarse do desejo do forte aproximandose dele, forçando uma intimidade; como se fosse possível uma osmose de nobreza, de amor por si mesmo. Só o contato com o forte pode salválo de sua infelicidade, assim se ilude o fraco.
    O forte assume algumas vezes um ar "blasé". O fraco também. A diferença aqui se dá pelo fato de que, no forte, isto é sinal de extremo bemestar físico e psíquico. O nobre pode ser gordo ou magro, baixo ou alto, seja como for ele está à vontade com seu peso, sua estatura, seus músculos e ossos. Sua cabeça está sempre erguida e seu olhar mira longe. É capaz de moverse como um cisne numa lagoa.
    No fraco, esse ar altivo e "blasé" é conquistado à custa de penosos ensaios, com marcações e gestos copiados, sempre um pouco desajeitadamente, dos nobres. Essa irritação não pode em absoluto dar certo porque o escravo está sempre buscando o responsável por seus sofrimentos. Como é possível para alguém que olha para o mundo à caça de culpados sequer simular um ar altivo? Tal pessoa é capaz de muitas coisas menos de assumir, de modo convincente, um ar distante, calmo, afável.
    O escravo precisa do outro para medirse; gosta de pequenos segredos, intrigas, coisas escondidas em geral (como vampiro que teme a luz do sol, que só tem forças para viver à noite). O fraco é sempre capaz de enfraquecer os outros quando convence com argumentos elaborados que é melhor ser fraco do que forte. Por exemplo: quando se é fraco sempre se obtém o "favor" dos outros, proteção e cuidado (ele acredita ser poupado de sofrimentos).
    A alegria e o bemestar do nobre não vêm fundamentalmente de fora dele. Ser o que se é, é ser bom, assumirse e amarse como se é, é ser bom. Ser violento, cruel, impiedoso de todo coração é bom. A estupidez e a preguiça, se revelam a plenitude de um ser, são boas. O nobre chega a ser imprudente por conta de seu transbordamento; despreza "segurança, corpo, vida, bemestar",10 não poupa energia na destruição, não é de modo algum alguém que cuida de si, que quer se preservar. É essa indiferença por sua própria conservação que faz do nobre um inimigo tão perigoso, audaz, ousado. Nietzsche diz que "foram as raças nobres que deixaram na sua esteira a noção de `bárbaro'; em toda parte aonde foram".11 Para o nobre não se coloca a questão da própria bondade, do próprio valor. Ele é aquele que está antes da pergunta, aquele que já disse, desde sempre, um imenso sim a si mesmo e à vida.
    É preciso que tudo o que ele faça seja acompanhado desse sentimento, que todas as suas atividades sejam prazerosas porque é esse prazer que as torna necessárias. É importante explicitar o que aqui se entende por prazer. Para Nietzsche esta palavra diz mais, ou melhor, diz outra coisa que uma simples ausência de dor ou uma sensação agradável. Não nos esqueçamos de que Nietzsche associa a imagem do nobre à do guerreiro, do lutador. Ora, que prazer maior pode haver para o guerreiro que a própria luta? Lutador de verdade só pode sentir prazer em lutar, mas toda batalha requer sangue e suor que geram também, inevitavelmente, dor e fadiga. Daí não se poder pensar o prazer do nobre sem pensar também numa certa cota de dor que lhe pertence. O prazer do nobre não é em absoluto um prazer imaculado, corderosa, e sim sempre sujo pelo vermelho do sangue. Esse tipo peculiar de prazer é o prazer de quem vence, de quem supera dor e cansaço; é o que advém do contato com um entrave, com um
    obstáculo que excita o sentimento de potência tornandoo maior. Neste caso, o obstáculo convertese em estímulo e concorre para o aumento do prazer.
    A vontade de potência quer sempre mais potência mas isto não configura, para ela, uma meta; é simplesmente seu caráter intrínseco, seu modo de ser próprio. Ela nunca será plena, a luta nunca terá fim. As forças de vontade estão em permanente combate umas com as outras e suas posições nunca são definitivas. É por aí que Nietzsche afirma o caráter agonístico da vontade de potência. Ela precisa de adversários para exercerse.
    A felicidade do aristocrata ignora termos de comparação. A felicidade dos outros não é um assunto seu, o que não faz dele um ser necessariamente cruel: é claro que a felicidade de seus amigos (seus pares) importa. Afinal, estes são em parte responsáveis pela manutenção de seu sentimento de alegria (é através deles que se reconhece como membro de uma aristocracia do espírito). Para o nobre, o ruim é o que não é como ele, o que não é pleno, o que não é forte, o que não está "de bem" consigo, o que lhe é inferior, vulgar, baixo. Fundamentalmente algo de menor importância e que não deve ser levado em conta. O juízo de valor ruim do nobre é um juízo de contraste. O escravo, por sua vez, também chamará de mau o que não é ele, precisamente o nobre, o bom da moral nobre. Aparentemente mau e ruim são sinônimos por se oporem ao mesmo conceito bom. Mas nem estes são sinônimos nem tampouco o bom de um é o bom do outro. O mau do escravo é o que lhe é oposto e o bom é ele mesmo, mas ao
    contrário do nobre que primeiro vê o bom dentro de si e depois o ruim no seu antípoda, o escravo, por ser insatisfeito e fraco, não é capaz de verse como o bom a não ser por oposição ao que ele vê como mau. O escravo opera uma inversão dos valores nobres movido pela inveja e pelo ressentimento com relação ao que é forte, feliz, belo, brilhante e poderoso. Ele não se acha bom pelo que é e sim pelo que não é. Bom não é algo que existe por si mesmo mas sim como um segundo momento de mau, como uma conseqüência inevitável. O escravo depende do mau para ser bom. "Se eles são fortes, belos, cruéis, maliciosos, violentos, seguros de si, se nos causam dano, são maus. Por isso nós que somos fracos, suaves, que não cometemos violências, que perdoamos tudo, somos bons". Como vimos, o bom da moral nobre é justamente o mau da moral escrava e viceversa. Por isso Nietzsche ressalta ao fim da primeira dissertação da Genealogia da moral que o título Além do bem e do mal não significa além
    do bom e do ruim, posicionandose ao lado do nobre. Quanto a impulsos e sentimentos ditos maus (segundo a tradição judaicocristã) os impulsos de destruição, de exploração, de ataque e expansão de poder nobres e escravos não se diferenciam por possuilos ou não. Ambos os possuem e, segundo Nietzsche, estes são impulsos vitais, inevitáveis e necessários:
    a vida mesma é essencialmente apropriação, ofensa, sujeição do que é estranho e mais fraco, opressão, dureza, imposição de formas próprias, incorporação e, no mínimo e mais comedido, exploração (...) A exploração não é própria de uma sociedade corrompida, ou imperfeita e primitiva: faz parte da essência do que vive, como função orgânica básica, é uma conseqüência da própria vontade de poder, que é precisamente vontade de vida.12
    A diferença reside no modo como cada um deles, o nobre e o escravo, lida e principalmente direciona esses impulsos. Falarei um pouco adiante da necessidade que os nobres têm de possuírem inimigos como válvula de escape para o lado mais duro e hostil de sua vontade de poder.13 Aos amigos e iguais, as flores.
    O senhor age e reage ao que lhe acontece. Já o escravo padece de uma confusão nos seus sentimentos; ao invés de agir, sente, ao invés de reagir, ressente. A partir daí criase a máconsciência a consciência voltada contra si mesmo ou seja, sentimento de culpa e o ressentimento voltado para os outros.14 O ressentimento é fruto da incapacidade de extravasar os sentimentos de modo contundente.
    Esta idéia acaba com os julgamentos morais baseados na diferença entre a intenção e a ação realizada concretamente, argumento que já livrou muitos covardes de responsabilidade. E que de modo geral nos faz perder muito tempo com considerações estranhas à situação que se apresenta. Discutese em dois planos: o das intenções e o dos feitos e suas conseqüências, quase como se duas pessoas tivessem agido em vez de uma. Neste ponto preciso, Nietzsche e Kant se encontram: não poderemos nunca saber exatamente o que move uma ação porque só temos acesso á seu aspecto exterior.15
    Quando há. uma relação entre pessoas segundo a moral nobre não há espaço para a piedade. Deleuze tem, a esse respeito, uma frase excelente: "O que é a piedade? É essa tolerância para com os estados da vida próximos de zero".16 Mais do que isso, a piedade institucionalizada religiosa e moral promove a vida reativa, doente, fraca, pequena, e prevê seu triunfo um dia... Ela se diz amor à vida e aos homens mas não se deve compreender por isso mais do que amor ao tipo de vida mencionado; não se deve fechar os olhos ao prazer que o piedoso sente na fruição de sua piedade, na necessidade que ele tem de sentila O que sente pena tem medo da vida que não lhe causa esse sentimento porque sabe que é essa vida que o desafia de algum modo e não a outra, que lhe dá a ilusão de ser superior. Por trás da piedade está a vontade de acusar a vida, as situações que o niilista julga serem dignas de pena o permitem dizer: "Eu não falei? É isso a vida..." O nobre só se relaciona e se preocupa com
    pessoas que lhe são tão caras a ponto de sofrer com elas, de viver junto a elas sua alegria e sua dor. A dor dos seus é um desafio à sua força, assunto a ser resolvido por ele.17 Para o nobre não vale a pena relacionar-se com alguém por quem não se é capaz de sofrer. O temor é uma face necessária do amor.
    A existência de fracos e fortes em combate é muito bem ilustrada por esse pequeno trecho de Oscar Wilde:
    No mundo ordinário do fato, os maus não eram punidos, e nem os bons recompensados. O sucesso era lançado sobre os fortes e o fracasso, sobre os fracos Eis tudo.18
    Já que não há uma justiça inerente à natureza, uma harmonia entre os homens ou um alémmundo ideal (que recompensasse as perdas e danos deste mundo) até mesmo o que chamamos habitualmente de justiça não reflete mais do que um certo arranjo de forças sempre provisório, um campo de batalha fotografado na hora da trégua. Ao ler Nietzsche concluimos que para ele "a medida de todas as coisas"19 é mesmo a força, sutil ou violenta. É ela que se encontra por detrás da idéia exposta no Assim falou Zaratustra de que "não há paga nem pagador" (e que desmente o dito popular: "Aqui se faz, aqui se paga"). Diz ele na Genealogia da moral que "a ação é tudo"20 e não vejo inconveniente em dizer que a força é tudo, pois é ela que fundamenta a ação. Não nos esqueçamos de que o fraco se denuncia pela sua dificuldade em agir.
    Esta tipologia embaralha nossos, julgamentos morais habituais porque elimina, por um lado, a idéia de intencionalidade da vontade (como faculdade ligada ao agir moral), e por outro lança uma luz diferente sobre a questão da violência. Nietzsche chama atenção para os mecanismos de violência psicológica e os considera uma contrapartida necessária da repressão da violência física. A violência, para ele, é algo intrínseco não somente ao ser humano mas à vida mesma. Se tentarmos reprimiIa por um lado, ela aparecerá do outro, como acontece com a sublimação dos impulsos agressivos operada pelos sacerdotes:
    em si, ofender, violentar, explorar, destruir não pode naturalmente ser algo "injusto", na medida em que essencialmente, isto é, em suas funções básicas, a vida atua ofendendo, violentando, explorando, destruindo, não podendo sequer ser concebida sem esse caráter.21
    O único meio de conter a bestialidade do homem é a sutilização dos seus impulsos "negativos", ou seja, a transformação de toda violência física em violência psicológica. Isto só é possível com a internalização da violência que a invenção da culpa significa. A partir daí a maior parte da humanidade ocidental deixa de sofrer e morrer no campo de batalha ou em invasões bárbaras e passa a padecer de doenças refinadas como neurastenia, histeria e anorexia:
    quanto a mim, não tenho dúvida de que, comparados com uma noite de dor de uma única mulher culta histérica, os sofrimentos de todos os animais até agora interrogados com o bisturi, para obtenção de respostas científicas, simplesmente nada significam.22
    É neste ponto que Nietzsche lança uma hipótese a respeito da dor: talvez a dor não doesse tanto quando o homem ainda não tinha má consciência no longo período que ele chama de "préhistória" do homem talvez sua sensibilidade à dor tenha aumentado junto com a vergonha que o homem passou a sentir de si mesmo. Com o advento da máconsciência o homem se enfraquece porque seus instintos, anteriormente certeiros na obtenção daquilo que desejava, passam a ser denegridos e desviados de sua função original. Refinados, os instintos enfraquecidos deixam o homem mais sensível à dor, desacostumado a lutar pelo que precisa ou quer.23
    É claro que nobreescravo são tipos, portanto destacáveis de figuras históricas reais. Mas a genealogia percorre uma galeria de personagens judeus, sacerdotes, vikings, romanos nas quais estes tipos se encarnaram, de modo que estes personagens históricos acabam por ajudar a compor estes tipos abstratos, modelos psicológicos que ajudam a compreender, os caminhos e descaminhos dos procedimentos morais.24 Isto é apenas para lembrar que não há em Nietzsche nada como o mundo das Idéias de Platão; que nele toda tipologia ou universalização tem sua encarnação terrena que não é como uma cópia de um modelo puro e sim um compósito de singularidade histórica com abstração psicológica.25

    Bibliografia

    DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia, Trad. Edmundo Fernandes Dias e Ruth Joffily Dias, Editora Rio, Rio de janeiro, 1976.

    FOUCAULT, Michel. "Nietzsche, a genealogia e a história", in Microfísica doPoder, organização e tradução de Roberto Machado, Editora Graal, Rio de janeiro, 1989.

    NIETZSCHE, Friedrich. lhe Portable Nietzsche, edited and translated by Walter Kaufmann, Penguin Books, New York, 1954.

    NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal Prelúdio a uma filosofia do futuro, Trad. Paulo César de Souza, Companhia das Letras, São Paulo, 1992.

    . Genealogia da Moral, Trad. Paulo César de Souza, Editora Brasiliense, São Paulo, 2° ed. 1988.

    Notas

    1 Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral, ed. Cit., 1° dissertação, § 4, p. 24.
    2 Op. cit., 2° parte, "Do superar si mesmo", p. 127.
    3 Friedrich Nietzsche, Além do bem e do mal, ed. cit., § 158, p. 81.
    4 Op. cit., § 230, p. 137.
    5 Platão, Fédon, tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa, Editora Abril Cutural, São Paulo, 1972, coleção Os Pensadores, pgs. 71 e 72: "Crês que seja próprio de um filósofo dedicarse avidamente aos pretensos prazeres tais como o de comer e de beber?
    Tão pouco quanto possível, Sócrates! –respondeu Símias.
    E aos prazeres do amor?
    Também não!
    E quanto aos demais cuidados do corpo, pensas que possam ter valor para tal homem?(...)
    E agora, dizeme: quando se trata de adquirir verdadeiramente a sabedoria, é ou não o corpo um entrave se na investigação lhe pedimos auxilio? Quero dizer com isso, mais ou menos, o seguinte: acaso alguma verdade é transmitida aos homens por intermédio da vista ou do ouvido, ou quem sabe se, pelo menos em relação a estas coisas não se passem como os poetas não se cansam de nolo repetir incessantemente, e que não vemos nem ouvimos com clareza?"
    6 Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral, ed. cit., § 10, p. 35. "De fato, no desprezo se acham mescladas demasiada negligência, demasiada ligeireza, desatenção e impaciência, mesmo demasiada alegria consigo, para que ele seja capaz de transformar seu objeto em monstro 'è caricatura".
    7 Friedrich Nietzsche, Além do bem e do mal, ed. cit., § 116, p. 75.

    8 O filme foi dirigido por Kenneth Branagh; produção inglesa de 1990.
    9 Inspireime num dos epítetos de Zeus em: Homero. A Ilíada, trad. Cascais Franco, Publicações EuropaAmérica, pg. 23 "a estas palavras Zeus, ajuntador de nuvens, nada respondeu".
    10 Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral, ed. cit., § 11, p. 39.
    11 Op. cit.
    12 Op. cit., § 259, pg. 171.
    13 Para uma das definições que Nietzsche nos fornece de vontade de poder, ou vontade de potência, conferir: Vontade depotência, trad. Mário D. Ferreira dos Santos, Tecnoprint, Rio de janeiro, sal., livro terceiro, I, 1, 302, último parágrafo, pg. 246 e 2A, pg. 247.
    14 Gilles Deleuze, Nietzsche e a filosofia, trad. Edmundo Fernandes Dias e Ruth Joffily Dias, Ed. Rio, Rio de janeiro, 1976, cap. 4, § 10, p. 109.
    15 Irnmanuel Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, tradução de Paulo Quintela, Editora Abril Cultural, coleção Os Pensadores (volume Kant), São Paulo, 1974, p. 213: "Acontece por vezes na verdade que, apesar do mais agudo exame de consciência, não possamos encontrar nada, fora do motivo moral do dever, que pudesse ser suficientemente forte para nos impelir a tal ou tal boa ação ou a tal grande sacrifício. Mas daqui não se pode concluir com segurança que não tenha sido um impulso secreto do amorpróprio, oculto sob a simples capa daquela idéia, a verdadeira causa determinante da vontade. Gostamos de lisongearnos então com um móbil mais nobre que falsamente nos arrogamos; mas em realidade, mesmo pelo exame mais esforçado, nunca podemos penetrar completamente até os móbiles secretos dos nossos atos, porque, quando se fala de valor moral, não é das ações visíveis que se trata, mas dos seus princípios íntimos que se não vêem".
    16 Gilles Deleuze, Nietzsche e a filosofta, ed. cit., cap. 5, 2, p. 125.
    17 Friedrich Nietzsche, Além do bem e do mal, ed. cit., § 260, p. 173,174 "... apenas frente aos iguais existem deveres; de que frente a seres de categoria inferior, a tudo estranho alheio, podese agir ao belprazer ou `como quiser o coração"'.
    18 Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Gray, trad. José Eduardo Ribeiro Moretzsohn, Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1989, cap. XVIII, p. 155.
    19 Esta é uma referência ao fragmento de Protágoras: "O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são", encontrada no livro de Gilbert RomeyerDherbey Os Sofistas, tradução de João Amado, Edições 70, Lisboa, 1986, pg 23.
    20 Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral, ed. cit., Primeira dissertação, § 13, p. 43.
    21 Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral, ed. cit., Segunda dissertação, p. 79 e 80.
    22 Op. cit., p. 70.
    23 Op. cit., p. 70: "Talvez então direi para consolo dos fracotes a dor não doesse como hoje; ao menos é o que poderia concluir um médico que tratou negros (tomados aqui como representantes do homem préhistórico ) vítimas de graves infecções internas, que levariam ao desespero os mais robustos europeus o que não acontece com os negros".
    24 Op. cit., p. 52, 53 e 54. Todo este parágrafo fala da encarnação da tipologia, e da luta entre os dois tipos ao longo da História; começando pelos romanos (nobres) e os judeus (escravos) e terminando com a luta travada entre os dois modos de valorar durante a Revolução Francesa: "os romanos eram os fortes e nobres, como jamais existiram mais fortes e nobres, e nem foram sonhados sequer (..). Os judeus, ao contrário, foram o povo sacerdotal do ressentimento par excellence, possuído de um gênio moralpopular absolutamente sem igual: basta comparar os judeus com outros povos similarmente dotados, como os chineses ou os alemães, para sentir o que é de primeira e o que é de quinta ordem. (...) Em um sentido até mais profundo e decisivo, Judéia conquistou com a Revolução Francesa mais uma vitória sobre o ideal clássico: a última nobreza política que havia na Europa, a da França dos séculos XVII e XVIII, pereceu sobre os instintos populares do ressentimento nunca se ouviu na
    terra júbilo maior, nem entusiasmo mais estridente!".
    25 Op. cit., p. 27.

    Danielle le fay
    posted by iSygrun Woelundr @ 12:54 da tarde   0 comments
    GLANDULA PINEAL
    quinta-feira, abril 13, 2006

    A glândula Pineal por sua natureza é a mais surpreendente. Como está implícito em seu nome, é um corpo cônico, em forma de pinha (Conarium pinealis, cone de pinha). É de cor avermelhada, com mais ou menos 1,2 em de comprimento, isto é, pouco maior do que um grão de trigo. Está situada na parte inferior do terceiro ventrículo do cérebro. Pesa cerca de O,13 gramas. Está oculta na base do cérebro (ao qual se acha ligada por uma haste oca pineal) numa diminuta cavidade atrás e acima do corpo pituitário. Está composta, em parte, de células nervosas, que contêm um pigmento idêntico ao das células da retina que é uma expressão do nervo ótico, o que sustenta o argumento em favor da antiga função de ter sido um olho. A parte inferior da glândula aponta para trás. A secreção da glândula Pineal, chamada Pinealina, age como restritor em todas as glândulas de secreção interna. Sua atividade moderadora sobre as outras glândulas endócrinas, dá à criança, durante os dois primeiros anos de existência, condições para crescimento. Durante esse período a criança quadruplica seu peso de nascimento. A Pineal age como uma espécie de supervisora em relação a outras glândulas. Os anatomistas do século 19, não acreditando em qualquer finalidade da glândula Pinea4 admitiam que fosse vestígio de alguma estrutura outrora importante. Durante longos tempos, realmente, até há poucas décadas, não havendo nenhum conhecimento de nenhuma função, não se lhe admitia nenhum papel. Todos repeliam a idéia de que fosse uma glândula endócrina. Observações posteriores relacionaram a pineal à função muscular. Há uma doença deformadora dos músculos conhecida como distrofia progressiva, cuja causa vem sendo um mistério insolúvel para a classe médica. Mas estudos realizados por meio de Raios X, mostraram que, nessa doença, a Pineal se apresenta com calcificações, isto é, incrustada de sais de cálcio, o que significa que no caso da glândula enfraquecer ou deixar de funcionar, os músculos não recebem a quantidade necessária de nutrição. Mais tarde, descobriu-se que a Pineal regula a cor da pele, fazendo variar o grau de reação aos raios luminosos, isto é, controla a ação da luz sobre o pigmento da pele. É a luz interna que reflete a luz externa. A Pineal também contribui para o desenvolvimento normal físico e mental das células cerebrais e das células dos órgãos de reprodução. o abundante suprimento de sangue que a Pineal recebe indica mais o índice de seu funcionamento ativo do que apenas a sua presença como vestígio de um órgão que durante a evolução perdeu seu uso original. Resumindo, a secreção da pineal: 1 - evita, na criança, o desenvolvimento sexual prematuro, promovendo uma puberdade normal; 2 - favorece a atividade da força criadora, que tende a desenvolver normalmente tanto o cérebro como os órgãos de reprodução; 3 - dá vigor e tonaliza os músculos; 4 - influi sobre o corpo variando o grau de reação aos raios de luz, isto é, controla a sensibilidade da cor à luz; 5 - influi no pigmento da pele provocando sua transparência devido à contração das células pigmentadas. TIPO DE PERSONALIDADE PINEAL Geralmente falando, a glândula Pineal é masculina, mas algumas mulheres estão sob sua regência, como veremos quando fizermos o estudo das atividades espirituais desse órgão. O tipo pineal espiritual típico é alto, é bem modelado. Ombros largos, o corpo afinando gradualmente para os pés. A testa é alta e grande, as sobrancelhas são quase retas, mas bem conformadas. Os olhos, grandes, expressivos, bem abertos, são comumente azuis escuros, e, não obstante a cor, emitem um clarão de fogo divino. O nariz é quase o de perfil grego. Os lábios, meio carnudos, têm ligeira curvatura. o queixo é bem formado, bastante proeminente, mostra real força de caráter, o que harmoniza bem com outros aspectos. O pescoço é médio, sobre ombros fortes e bem modelados. O cabelo, em geral castanho claro, é abundante e possui brilho acentuado. Como um todo, o rosto é varonil com algo de encanto feminino. O artista Rafael foi um perfeito exemplo do tipo pineal espiritualmente desenvolvido. Era tão grande sua beleza, diz-se, com um quase imperceptível traço feminino, que, ao passar pelas ruas, os que o viam paravam para admirá-lo. Em pessoa era tão bonito como um anjo. Sua disposição era amável, bondosa doce e gentil. Nos modos e na palestra era encantador. Foi célebre pela nobreza e generosidade de sua natureza. O nome deste homem invulgar ainda permanece o maior na arte da pintura. No seu quadro A Transfiguração, os olhares discernidores descobrem o mistério da sua grandeza. Esta ai, plenamente revelado, seu conhecimento e seu contato direto com os reinos sobrenaturais. Esse quadro maravilhoso, cuja beleza deve ser não só vista mas sentida, é para o pintor o canto do cisne de Rafael. Ele o pintou enquanto morria. Ao observarmos esse maravilhoso quadro, ficamos maravilhados e pensando que talvez ele tenha pintado aquele belo, feliz e compassivo rosto de Cristo exatamente da maneira como o estava vendo, no Éter, aguardando para levar ao paraíso o Espírito desse nobre homem que tanto fez pela glória do Cristianismo, quer pelas felizes e não ultrapassadas telas que pintou, quer pela vida nobre e altruísta que levou.
    posted by iSygrun Woelundr @ 3:01 da tarde   0 comments
    ETICA E NATUREZA.
    quarta-feira, abril 12, 2006
    platão e seu mundo
    De onde mais poderia derivar a Ética que não do próprio Ser Humano?
    -------- Como vimos a idéia de que é necessária uma divindade, um poder super humano, para nos ensinar o óbvio, é no mínimo tremendamente confusa e contraditória. Então de onde mais poderia vir a Ética? A Regra de Ouro?
    -------- Minha resposta se mantém, do próprio Ser Humano, mais especificamente da EMPATIA, ou de um casamento entre a Empatia e o desejo de Bem-Estar.
    -------- Muitos no entanto não pensam assim. O dogma da maldade intrínseca do Ser Humano é largamente difundido, e o mais curioso, por pessoas que muitas vezes consideram-se não-cristãs, ou mesmo anti-cristãs.
    -------- Os motivos para isso podem ser infindáveis, inclusive a incômoda hipótese de que um indivíduo que se considere ruim sem dúvida deve ter dificuldades em reconhecer a bondade nos demais, e prefere generalizar seu estado para toda a humanidade.
    -------- Mas independente disso, essa noção é evidentemente contraditória, pois para considerarmos uma coisa Má, necessariamente temos que ter uma noção de Bem, sendo assim, de onde vem essa noção?
    -------- Pode de um ser inerentemente mau derivar a idéia de Bem?
    -------- Num sistema religioso isso é até mais defensável, porque pode-se argumentar que a idéia de Bem vem da divindade, mesmo assim, como já vimos, essa argumentação também não se sustenta, e de qualquer modo, a contradição sempre é inevitável, pois mesmo que não fosse capaz de produzí-la, poderia um ser mau, reconhecer a idéia de Bem?
    -------- Notemos inclusive que os filósofos que colocam a fonte da ética no próprio ser humano não compartilham da idéia da maldade humana inata, como Kant, Rosseau e Marx. Mas é curioso que haja não-religiosos, incluindo opositores do cristianismo, que compartilham de seu dogma fundamental, que é a natureza maligna humana.
    -------- Alguns no entanto colocam que a fonte do Bem não é a divindade, mas a própria Natureza, supondo que existe uma Ética intrínseca no mundo. Assim o pensava Schopenhauer, inclusive considerando que a suposição de que o mundo não tivesse uma natureza moral era uma execrável postura.
    -------- Hoje em dia tal noção é muito popular, aparecendo nas mais diversas roupagens. As mais comuns são as que declaram que não existe o mal na natureza, que apesar das aparentemente violentas relações entre os seres vivos, não ocorre nada que possa de fato ser considerado mais do que uma luta intrínseca pela sobrevivência, onde não há lugar para a perversão.
    -------- Algumas pessoas inclusive gostam de afirmar que não existe o assassinato, o roubo ou o estupro na natureza, e sendo assim a conclusão é inevitável. Todo o Mal deriva da Humanidade.
    -------- Não irei apelar para as miríades de dados que os zoólogos podem nos fornecer para por em cheque tal noção, que podem ser vistas inclusive em obras de Darwin, Richard Dawkins, Stephen J. Gould, este último curiosamente entretanto, apesar de agnóstico, compartilha de uma noção de que a Ética é domínio da Religião. Mas mais uma vez esta pressuposição da maldade originada do Ser Humano cai na mesma contradição, e como o dizia Feurbach, e só mais uma forma de projetar o que temos de humano, fora do humano, insistindo em ver no externo aquilo que só existe em nós mesmos. Neste caso a bondade.
    platão

    -------- Minha posição é que o Ser Humano é intrinsecamente ambíguo, mas com uma tendência inata para assumir que o Bem é o caminho que deve ser seguido. Sendo assim, embora eu prefira não usar esses mesmos termos, não seria errado dizer que o Ser Humano é por Natureza Bom.
    -------- Mas em termos de melhor precisão filosófica, posso trabalhar com a hipótese da neutralidade humana, mas nunca com a hipótese da maldade inerente. Alguns poderiam argumentar de forma inversa, como um ser Bom poderia ter uma noção de Mal? Mas creio esse argumento facilmente refutável, pois parece um ponto pacífico que o Bem é um conceito positivo, assim como a Luz, e o Mal somente sua ausência, tal como a Escuridão. E sendo assim é o conceito positivo que de fato constitui a definição, e a noção.
    -------- Além do que um ser inerentemente mau seria auto destrutivo, suas tentativas de socialização rapidamente seriam frustradas pelas guerras entre as nações, e no entanto, apesar dos pesares, a história da civilização tem sido uma história de integração de culturas e fusão de tribos e nações.
    -------- Por fim, quero apenas defender que a Ética é intrinsecamente humana, e só faz sentido em termos humanos, ainda que possua alguns fundamentos aparentes na natureza. Mas ao que tudo indica a Natureza, o Universo, são fundamentalmente a-éticos.
    posted by iSygrun Woelundr @ 3:14 da tarde   0 comments
    Mitos e arquétipos

    . Lucia Savana

    Esse texto terá como base de reflexão o seguinte questionamento: “Por que o estudo dos mitos para a compreensão dos arquétipos?”
    Arquétipos
    Cabe, primeiramente, algumas ressalvas teóricas – trazendo, assim, a idéia dos termos “mito” e “arquétipo” ao contexto da psicologia analítica. Quando se pensa em arquétipo, logo nos vem à mente Jung, porque foi através dele que esse conceito foi resgatado e integrado aos estudos psicológicos, juntamente ao conceito de inconsciente coletivo. Nada mais sensato do que utilizar suas próprias palavras para entender esse termo:
    “Os arquétipos não são apenas impregnações de experiências típicas, incessantemente repetidas, mas também se comportam empiricamente como forças ou tendências à repetição das mesmas experiências. Cada vez que um arquétipo aparece em sonho, na fantasia ou na vida, ele traz consigo uma ‘influência’ específica ou uma força que lhe confere um efeito numinoso e fascinante ou impele à ação.” (JUNG, 1942, § 109.)
    “Os arquétipos são como que órgãos da psique pré-racional. São sobretudo estruturas fundamentais características, sem conteúdo específico e herdadas desde os tempos mais remotos. O conteúdo específico só aparece na vida individual em que a experiência pessoal é vazada nessas formas.” (JUNG, 1935, § 845.)

    Pode-se entender que os arquétipos são espécies de respostas típicas a situações típicas, que têm como objetivo maior nos humanizar, querendo dizer com isso que “aprendemos o que é ser humano através dos arquétipos”.
    Os arquétipos são possibilidades que existem no inconsciente coletivo, potencialidades; não que ao nascer estejamos com tudo pronto, não é isso. O que existe é o potencial que será utilizado à medida que existirem as possibilidades.
    Mitos e mitologia
    Voltemo-nos agora ao termo “mito”. Sabe-se que, em nossa cultura, esse termo vem ganhando um sentido até mesmo pejorativo, tratando de expressar muitas vezes alguma mentira.
    É de Joseph Campbell uma das definições mais belas – quase poética - de mitologia: “A mitologia é a canção do universo – música que nós dançamos mesmo quando não somos capazes de reconhecer a melodia.” (p. 11.) “Mitos são aquilo que os seres humanos têm em comum; são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos.” (p. 5.) “São metáforas da potencialidade espiritual do ser humano, e os mesmos poderes que animam nossa vida animam a vida do mundo.” (p. 24.)

    A partir destas definições, vai se tornando evidente a relação entre mitos e arquétipos, pois os mitos nada mais são do que uma forma de expressão dos arquétipos, falando daquilo que é comum aos homens de todas as épocas, porque falam dos valores eternos da condição humana.
    Os mitos se referem sempre a realidades arquetípicas, isto é, a situações com que todo ser humano se depara ao longo de sua vida, decorrentes de sua condição humana. São situações padrões tais como o nascimento, o casamento, o envelhecimento, a morte, etc. Os mitos explicam, auxiliam e promovem as transformações psíquicas que se passam, tanto no nível individual como no coletivo de uma determinada cultura. (ULSON, 1995.)
    Somos seres singulares, sem dúvida. Contudo, temos heranças enquanto seres humanos; temos vivências e sentimentos comuns. Quando pensamos em mitos é sugerido que alguém também já tenha passado pelo caminho em que estamos passando, deixando-nos pistas de como poderemos prosseguir - não querendo isso dizer que o estudo da mitologia irá nos eximir de qualquer tipo de sofrimento ou desagrado, mas que poderemos encontrar um sentido, uma maneira de enfrentar e suportar os conflitos que nos cercam.
    Toda mitologia é, de alguma forma, uma tomada de consciência; é o poder ver através de outra perspectiva; é o ter um elemento com que nos identificar; é o encontrar de um valor.

    As histórias, que nos são contadas na infância, são maneiras de mostrar às crianças uma forma de aceitar e de enfrentar fatos que muitas vezes não se explicam, fases que não se quer ultrapassar. Estão aí as histórias do surgimento do mundo, de iniciação, etc.
    Cabe pensar que existem os mitos universais e os de cada cultura. Existem os contos de fadas para as crianças e as histórias para os mais velhos. Existem os mitos iguais para todas as épocas; e as novas roupagens, porque o que é arquetípico é o tema - e deste tema podem surgir variações.
    O Fausto, de Goethe
    Penso que será interessante evocar, neste momento, a idéia de pelo menos um mito. Gostaria de colocar uma idéia em especial, mesmo sem pretender nela me aprofundar. Penso num dos mitos do homem contemporâneo, que é símbolo da insatisfação e da impermanência. Falo do Fausto de Goethe.
    O maior sonho de Fausto é encontrar dentro de si uma correspondência harmônica com a natureza universal.
    Faço esta correlação porque percebo a universalidade do tema. Ao ler os jornais; ao escutar os pacientes em consultório; ao escutar, enfim, as pessoas e a mim mesma, percebo - de forma tão viva quanto ao ler Goethe - o quanto o homem vivencia esta espécie de insatisfação que o faz buscar um sentido, um valor (e, aí, penso nas conseqüências de nosso afastamento cultural da mitologia; penso que, na falta do sentido, tudo fica vil e o homem torna-se capaz das maiores atrocidades com o próximo e consigo mesmo).
    Fausto foi publicado de forma definitiva em 1806, mas sabe-se que já em 1770 Goethe decidiu escrever a sua versão da história, que traz o conteúdo arquetípico da insatisfação e busca através da obra literária.
    Na primeira parte, o nó da trama é o pacto de Fausto com Mefistófeles, pelo desejo de saber e pela sede de gozar.
    Na segunda parte, o nó é a aposta contratada entre o Senhor - que afirma que Fausto se salvará - e Mefistófeles - que espera degradar Fausto à condição de besta. Fausto é, na obra, o símbolo da humanidade - que erra enquanto age, mas que deve agir para atingir o ideal que ela mesma entreviu. Fausto é salvo porque jamais cessou de tender para um ideal. (HOUAISS, 1970.)
    Cito aqui alguns trechos da obra de Goethe que explicitam o tema:
    Mefistófeles: “De sol e de mundos nada sei dizer, vejo apenas como os homens se atormentam. O pequeno Deus do mundo [o homem] continua na mesma e está tão admirável assim como no primeiro dia. Um pouco melhor ele viveria, não lhe tivesses dado o brilho da luz celeste; ele chama isto razão e lança mão dela somente para ser mais animalesco do que cada animal.” (p. 13.)
    Fausto: “Temos necessidade justamente daquilo que não sabemos e sabemos aquilo que não sabemos utilizar.” (p. 38.)
    Fausto: “Sou velho demais para somente me divertir; moço demais, para ser sem desejos. Que pode o mundo bem proporcionar-me? A existência é um fardo.” (p. 52.)
    Fausto: “Eu nunca soube adaptar-me à sociedade. Diante dos outros sinto-me tão pequeno que serei eternamente um acanhado.” (p. 68.)

    Essas citações da obra nos tocam porque falam da gente, de como nos sentimos tantas vezes; e nos dão um apaziguamento na alma, pois falam do quanto é comum ao homem esse sentir – e, desta forma, nos ensinam sobre nós mesmos.
    É essa a função primeira do arquétipo e do mito: ensinar-nos sobre nós mesmos, sobre a condição humana, sobre o nosso processo de vida - os mitos expressando aquilo que nos é incognoscível, em si mesmo, nos arquétipos.
    “Além disso, não precisamos correr sozinhos o risco da aventura, pois os heróis de todos os tempos a enfrentaram antes de nós. O labirinto é conhecido em toda a sua extensão. Temos apenas de seguir a trilha do herói; e lá, onde temíamos encontrar algo abominável, encontramos um deus. E lá, onde esperávamos matar alguém, mataremos a nós mesmos. Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao centro da nossa própria existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do mundo todo.“ (Joseph Campbell)
    Referências bibliográficas
    CAMPBELL, Joseph & MOYERS, Bill. O poder do mito. 1990.
    BOECHAT, Walter. Mitos e arquétipos do homem contemporâneo. 1997.
    GOETHE. Fausto. 1806.
    JUNG, Carl Gustav. Comentários psicológicos ao Bardo Thodol. 1935.
    JUNG, Carl Gustav. O inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. 1942.
    posted by iSygrun Woelundr @ 7:51 da manhã   0 comments
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