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  • livro on line: ASSIM FALOU NIETZSCHE - O QUE FAZER PARA VIVER BEM COM O MAL?
    domingo, abril 16, 2006

    (O SOFRIMENTO EM FRIEDRICH NIETZSCHE)
    Reis Sarmiento
    Este texto faz parte do livro Assim Falou Nietzsche,

    Examinaremos a questão do mal, da dor e do sofrimento subordinada à distinção que Nietzsche faz entre uma moral de escravos e uma moral de senhores. Toda a Genealogia da moral, com a investigação que empreende sobre a origem dos valores de bem e mal conduz a esta distinção, já antecipada no livro imediatamente anterior, Além do bem e do mal (especialmente no capítulo "O que é nobre?"). Quanto ao sofrimento e à dor, veremos de que modo o nobre e o escravo os vivenciam.
    Logo no começo da Genealogia da moral, Nietzsche critica os historiadores da moral ingleses, especialmente o Dr. Paul Rée e seu livro A origem das impressões morais, dizendo que a origem que estes atribuem ao conceito bom está no "lugar errado" , a saber, proveniente daqueles aos quais se fez o bem, os passivos, fracos e necessitados de todo o tipo. Segundo estes historiadores, os receptores de ações nãoegoístas batizaramnas de boas por lhes serem úteis.
    Para Nietzsche, a origem do conceito bom está no pathos da distância, ou seja, no sentimento de superioridade e plenitude dos nobres "em posição e pensamento "em relação aos escravos. Foram os bons que nomearam a si mesmos e aos seus atos como bons. Foram eles que assumiram a tarefa de criação de valores, de estabelecimento de hierarquias. Tal origem não tem necessariamente algo a ver com ações egoístas ou não egoístas. Segundo Nietzsche, a visão dos genealogistas ingleses denuncia exatamente o declínio dos valores aristocráticos e a voga dos valores escravos, ou seja, dos valores do rebanho.
    Para chegar a essa conclusão, Nietzsche procedeu a uma investigação etimológica da palavra bom nas mais diversas línguas. Descobriu assim:
    que em toda parte "nobre", "aristocrático", no sentido social, é o conceito básico a partir do qual necessariamente se desenvolveu "bom" no sentido de "espiritualmente bemnascido", "espiritualmente privilegiado": um desenvolvimento que sempre corre paralelo àquele outro que faz "plebeu", "comum", '`baixo", transmutarse finalmente em "ruim".1
    Segundo o filósofo, foram os judeus os responsáveis pela inversão dos valores aristocráticos que associavam "bom = nobre = poderoso = belo = feliz = caro ao deuses" e passaram a considerar bons somente os fracos, miseráveis, doentes e infelizes. Tal inversão triunfou na História por meio do Cristianismo. Foi por meio dela que os judeus conseguiram, do modo mais espiritual (como deve ser num povo de sacerdotes), vingarse de seus inimigos e conquistadores.
    O senhor, o nobre, o forte, que são sinônimos para Nietzsche, aplica bom e mau ao que lhe apetece, afirmando seu desejo, sua vontade, contra toda limitação moral. Ao escravo só resta submeterse à vontade forte do outro, seu antípoda feito para o mando.
    A piedade não é apenas (e só aparentemente) humilhante para o fraco. Ela pode serlhe útil, e muito. Fracos das mais diversas procedências fazem uso do dispositivo da piedade para derrubar, devagar e sutilmente, os fortes de todo o mundo. Nas palavras do próprio Nietzsche: "Por caminhos oblíquos, introduzse o mais fraco na fortaleza e até no coração do mais forte e, ali, furta poder".2
    Os homens não são, de acordo com Nietzsche, iguais. Em cada um deles há uma quantidade de vontade diferente e um arranjo interno de instintos podese mesmo dizer uma luta de instintos na qual o mais forte, "o tirano em nós", vence, suplantando até mesmo nossa razão e nossa consciência,3 que para Nietzsche nada mais é do que um órgão como o estômago. Consciência, espírito têm para ele o mesmo estatuto de um órgão do corpo.4 Esta foi a maneira que Nietzsche encontrou para reabilitar o corpo e os sentidos no campo da filosofia, que desde Sócrates foram vistos como obstáculos ou órgãos menores do conhecimento e do pensamento,5 como elementos impuros contrapostos à pureza da alma ou da razão. A análise feita por Nietzsche da máconsciência revela o quanto a consciência pode ser "impura"; não é no corpo nem na matéria que está a sujeira mas sim no pensamento que as acompanha, o corpo do asceta é sujo porque ele assim o considera, assim como o corpo do superhomem, que tem o sentido
    da terra, tem a inocência de um corpo de criança.
    É ingênuo crer que os homens nutrem naturalmente boas disposições para com os outros. Os homens só nutrem qualquer tipo de sentimento, bom ou mau, favorável ou desfavorável, por aqueles que lhe são de alguma forma próximos. O criador, o nobre, o senhor, jamais se apaixonará ou mesmo odiará um escravo porque entre eles há um abismo; eles não pertencem ao mesmo universo. O sentido que o pr
    imeiro dá às coisas é totalmente estranho ao sentido dado a essas mesmas coisas pelo escravo. Não há aproximação possível entre senhor e escravo, a não ser pela via da dominação do segundo pelo primeiro. Não há investimento afetivo no desprezo, ele é apenas a constatação do abismo que separa um homem do outro.6 O verdadeiro inimigo não é aquele que desprezamos; ao contrário, o verdadeiro inimigo é bom e por isso próximo, ameaçador, irritante por suas qualidades. Assumir que o inimigo é aquele que incomoda por sentirmonos de alguma forma inferiorizados diante dele é "rebatizar nosso lado mau de nosso lado melhor".7 É preciso adotar nossa própria vileza. Só há inimigos dentre os membros de uma aristocracia do espírito. Não há inimigos desprezíveis.
    Há um exemplo que me parece muito útil para a compreensão do que seja nobre para Nietzsche. Tratase de uma cena do filme Henrique V, baseado na peça homônima de William Shakespeare: o rei da Inglaterra Henrique V tenta beijar sua prima Catarina da França após vencer a guerra contra este país e obter o direito de desposála. Catarina foge delicadamente, dizendo ser contra os costumes de seu país beijar antes do casamento; Henrique responde que os reis não precisam submeterse aos costumes pois são eles mesmos que os criam.8 Para Nietzsche, esta afirmação do rei seria uma afirmação de senhor, de forte, de criador de valores, de guerreiro. A vontade do senhor é imperiosa. Um nobre emana luz, ajunta nuvens,9 e naturalmente não se dobra a vontades alheias. Antes são estas que a ele se submetem, sem grandes protestos. Há no nobre uma "insustentável leveza", um "savoirfaire" que não passa desapercebido em lugar nenhum. O nobre, tal como Nietzsche o descreve, é aquele que chama
    atenção mas ninguém sabe dizer por quê. Apenas outros nobres são capazes de reconhecêlo como alguém que, como eles, está "na sua".
    Já o escravo é mole, sem vigor, excitável apenas ao contato com a vida alheia. Adora mexericos de toda espécie e desenvolve técnicas especiais de vingança que são sua única manifestação de poder. Tenta apropriarse do desejo do forte aproximandose dele, forçando uma intimidade; como se fosse possível uma osmose de nobreza, de amor por si mesmo. Só o contato com o forte pode salválo de sua infelicidade, assim se ilude o fraco.
    O forte assume algumas vezes um ar "blasé". O fraco também. A diferença aqui se dá pelo fato de que, no forte, isto é sinal de extremo bemestar físico e psíquico. O nobre pode ser gordo ou magro, baixo ou alto, seja como for ele está à vontade com seu peso, sua estatura, seus músculos e ossos. Sua cabeça está sempre erguida e seu olhar mira longe. É capaz de moverse como um cisne numa lagoa.
    No fraco, esse ar altivo e "blasé" é conquistado à custa de penosos ensaios, com marcações e gestos copiados, sempre um pouco desajeitadamente, dos nobres. Essa irritação não pode em absoluto dar certo porque o escravo está sempre buscando o responsável por seus sofrimentos. Como é possível para alguém que olha para o mundo à caça de culpados sequer simular um ar altivo? Tal pessoa é capaz de muitas coisas menos de assumir, de modo convincente, um ar distante, calmo, afável.
    O escravo precisa do outro para medirse; gosta de pequenos segredos, intrigas, coisas escondidas em geral (como vampiro que teme a luz do sol, que só tem forças para viver à noite). O fraco é sempre capaz de enfraquecer os outros quando convence com argumentos elaborados que é melhor ser fraco do que forte. Por exemplo: quando se é fraco sempre se obtém o "favor" dos outros, proteção e cuidado (ele acredita ser poupado de sofrimentos).
    A alegria e o bemestar do nobre não vêm fundamentalmente de fora dele. Ser o que se é, é ser bom, assumirse e amarse como se é, é ser bom. Ser violento, cruel, impiedoso de todo coração é bom. A estupidez e a preguiça, se revelam a plenitude de um ser, são boas. O nobre chega a ser imprudente por conta de seu transbordamento; despreza "segurança, corpo, vida, bemestar",10 não poupa energia na destruição, não é de modo algum alguém que cuida de si, que quer se preservar. É essa indiferença por sua própria conservação que faz do nobre um inimigo tão perigoso, audaz, ousado. Nietzsche diz que "foram as raças nobres que deixaram na sua esteira a noção de `bárbaro'; em toda parte aonde foram".11 Para o nobre não se coloca a questão da própria bondade, do próprio valor. Ele é aquele que está antes da pergunta, aquele que já disse, desde sempre, um imenso sim a si mesmo e à vida.
    É preciso que tudo o que ele faça seja acompanhado desse sentimento, que todas as suas atividades sejam prazerosas porque é esse prazer que as torna necessárias. É importante explicitar o que aqui se entende por prazer. Para Nietzsche esta palavra diz mais, ou melhor, diz outra coisa que uma simples ausência de dor ou uma sensação agradável. Não nos esqueçamos de que Nietzsche associa a imagem do nobre à do guerreiro, do lutador. Ora, que prazer maior pode haver para o guerreiro que a própria luta? Lutador de verdade só pode sentir prazer em lutar, mas toda batalha requer sangue e suor que geram também, inevitavelmente, dor e fadiga. Daí não se poder pensar o prazer do nobre sem pensar também numa certa cota de dor que lhe pertence. O prazer do nobre não é em absoluto um prazer imaculado, corderosa, e sim sempre sujo pelo vermelho do sangue. Esse tipo peculiar de prazer é o prazer de quem vence, de quem supera dor e cansaço; é o que advém do contato com um entrave, com um
    obstáculo que excita o sentimento de potência tornandoo maior. Neste caso, o obstáculo convertese em estímulo e concorre para o aumento do prazer.
    A vontade de potência quer sempre mais potência mas isto não configura, para ela, uma meta; é simplesmente seu caráter intrínseco, seu modo de ser próprio. Ela nunca será plena, a luta nunca terá fim. As forças de vontade estão em permanente combate umas com as outras e suas posições nunca são definitivas. É por aí que Nietzsche afirma o caráter agonístico da vontade de potência. Ela precisa de adversários para exercerse.
    A felicidade do aristocrata ignora termos de comparação. A felicidade dos outros não é um assunto seu, o que não faz dele um ser necessariamente cruel: é claro que a felicidade de seus amigos (seus pares) importa. Afinal, estes são em parte responsáveis pela manutenção de seu sentimento de alegria (é através deles que se reconhece como membro de uma aristocracia do espírito). Para o nobre, o ruim é o que não é como ele, o que não é pleno, o que não é forte, o que não está "de bem" consigo, o que lhe é inferior, vulgar, baixo. Fundamentalmente algo de menor importância e que não deve ser levado em conta. O juízo de valor ruim do nobre é um juízo de contraste. O escravo, por sua vez, também chamará de mau o que não é ele, precisamente o nobre, o bom da moral nobre. Aparentemente mau e ruim são sinônimos por se oporem ao mesmo conceito bom. Mas nem estes são sinônimos nem tampouco o bom de um é o bom do outro. O mau do escravo é o que lhe é oposto e o bom é ele mesmo, mas ao
    contrário do nobre que primeiro vê o bom dentro de si e depois o ruim no seu antípoda, o escravo, por ser insatisfeito e fraco, não é capaz de verse como o bom a não ser por oposição ao que ele vê como mau. O escravo opera uma inversão dos valores nobres movido pela inveja e pelo ressentimento com relação ao que é forte, feliz, belo, brilhante e poderoso. Ele não se acha bom pelo que é e sim pelo que não é. Bom não é algo que existe por si mesmo mas sim como um segundo momento de mau, como uma conseqüência inevitável. O escravo depende do mau para ser bom. "Se eles são fortes, belos, cruéis, maliciosos, violentos, seguros de si, se nos causam dano, são maus. Por isso nós que somos fracos, suaves, que não cometemos violências, que perdoamos tudo, somos bons". Como vimos, o bom da moral nobre é justamente o mau da moral escrava e viceversa. Por isso Nietzsche ressalta ao fim da primeira dissertação da Genealogia da moral que o título Além do bem e do mal não significa além
    do bom e do ruim, posicionandose ao lado do nobre. Quanto a impulsos e sentimentos ditos maus (segundo a tradição judaicocristã) os impulsos de destruição, de exploração, de ataque e expansão de poder nobres e escravos não se diferenciam por possuilos ou não. Ambos os possuem e, segundo Nietzsche, estes são impulsos vitais, inevitáveis e necessários:
    a vida mesma é essencialmente apropriação, ofensa, sujeição do que é estranho e mais fraco, opressão, dureza, imposição de formas próprias, incorporação e, no mínimo e mais comedido, exploração (...) A exploração não é própria de uma sociedade corrompida, ou imperfeita e primitiva: faz parte da essência do que vive, como função orgânica básica, é uma conseqüência da própria vontade de poder, que é precisamente vontade de vida.12
    A diferença reside no modo como cada um deles, o nobre e o escravo, lida e principalmente direciona esses impulsos. Falarei um pouco adiante da necessidade que os nobres têm de possuírem inimigos como válvula de escape para o lado mais duro e hostil de sua vontade de poder.13 Aos amigos e iguais, as flores.
    O senhor age e reage ao que lhe acontece. Já o escravo padece de uma confusão nos seus sentimentos; ao invés de agir, sente, ao invés de reagir, ressente. A partir daí criase a máconsciência a consciência voltada contra si mesmo ou seja, sentimento de culpa e o ressentimento voltado para os outros.14 O ressentimento é fruto da incapacidade de extravasar os sentimentos de modo contundente.
    Esta idéia acaba com os julgamentos morais baseados na diferença entre a intenção e a ação realizada concretamente, argumento que já livrou muitos covardes de responsabilidade. E que de modo geral nos faz perder muito tempo com considerações estranhas à situação que se apresenta. Discutese em dois planos: o das intenções e o dos feitos e suas conseqüências, quase como se duas pessoas tivessem agido em vez de uma. Neste ponto preciso, Nietzsche e Kant se encontram: não poderemos nunca saber exatamente o que move uma ação porque só temos acesso á seu aspecto exterior.15
    Quando há. uma relação entre pessoas segundo a moral nobre não há espaço para a piedade. Deleuze tem, a esse respeito, uma frase excelente: "O que é a piedade? É essa tolerância para com os estados da vida próximos de zero".16 Mais do que isso, a piedade institucionalizada religiosa e moral promove a vida reativa, doente, fraca, pequena, e prevê seu triunfo um dia... Ela se diz amor à vida e aos homens mas não se deve compreender por isso mais do que amor ao tipo de vida mencionado; não se deve fechar os olhos ao prazer que o piedoso sente na fruição de sua piedade, na necessidade que ele tem de sentila O que sente pena tem medo da vida que não lhe causa esse sentimento porque sabe que é essa vida que o desafia de algum modo e não a outra, que lhe dá a ilusão de ser superior. Por trás da piedade está a vontade de acusar a vida, as situações que o niilista julga serem dignas de pena o permitem dizer: "Eu não falei? É isso a vida..." O nobre só se relaciona e se preocupa com
    pessoas que lhe são tão caras a ponto de sofrer com elas, de viver junto a elas sua alegria e sua dor. A dor dos seus é um desafio à sua força, assunto a ser resolvido por ele.17 Para o nobre não vale a pena relacionar-se com alguém por quem não se é capaz de sofrer. O temor é uma face necessária do amor.
    A existência de fracos e fortes em combate é muito bem ilustrada por esse pequeno trecho de Oscar Wilde:
    No mundo ordinário do fato, os maus não eram punidos, e nem os bons recompensados. O sucesso era lançado sobre os fortes e o fracasso, sobre os fracos Eis tudo.18
    Já que não há uma justiça inerente à natureza, uma harmonia entre os homens ou um alémmundo ideal (que recompensasse as perdas e danos deste mundo) até mesmo o que chamamos habitualmente de justiça não reflete mais do que um certo arranjo de forças sempre provisório, um campo de batalha fotografado na hora da trégua. Ao ler Nietzsche concluimos que para ele "a medida de todas as coisas"19 é mesmo a força, sutil ou violenta. É ela que se encontra por detrás da idéia exposta no Assim falou Zaratustra de que "não há paga nem pagador" (e que desmente o dito popular: "Aqui se faz, aqui se paga"). Diz ele na Genealogia da moral que "a ação é tudo"20 e não vejo inconveniente em dizer que a força é tudo, pois é ela que fundamenta a ação. Não nos esqueçamos de que o fraco se denuncia pela sua dificuldade em agir.
    Esta tipologia embaralha nossos, julgamentos morais habituais porque elimina, por um lado, a idéia de intencionalidade da vontade (como faculdade ligada ao agir moral), e por outro lança uma luz diferente sobre a questão da violência. Nietzsche chama atenção para os mecanismos de violência psicológica e os considera uma contrapartida necessária da repressão da violência física. A violência, para ele, é algo intrínseco não somente ao ser humano mas à vida mesma. Se tentarmos reprimiIa por um lado, ela aparecerá do outro, como acontece com a sublimação dos impulsos agressivos operada pelos sacerdotes:
    em si, ofender, violentar, explorar, destruir não pode naturalmente ser algo "injusto", na medida em que essencialmente, isto é, em suas funções básicas, a vida atua ofendendo, violentando, explorando, destruindo, não podendo sequer ser concebida sem esse caráter.21
    O único meio de conter a bestialidade do homem é a sutilização dos seus impulsos "negativos", ou seja, a transformação de toda violência física em violência psicológica. Isto só é possível com a internalização da violência que a invenção da culpa significa. A partir daí a maior parte da humanidade ocidental deixa de sofrer e morrer no campo de batalha ou em invasões bárbaras e passa a padecer de doenças refinadas como neurastenia, histeria e anorexia:
    quanto a mim, não tenho dúvida de que, comparados com uma noite de dor de uma única mulher culta histérica, os sofrimentos de todos os animais até agora interrogados com o bisturi, para obtenção de respostas científicas, simplesmente nada significam.22
    É neste ponto que Nietzsche lança uma hipótese a respeito da dor: talvez a dor não doesse tanto quando o homem ainda não tinha má consciência no longo período que ele chama de "préhistória" do homem talvez sua sensibilidade à dor tenha aumentado junto com a vergonha que o homem passou a sentir de si mesmo. Com o advento da máconsciência o homem se enfraquece porque seus instintos, anteriormente certeiros na obtenção daquilo que desejava, passam a ser denegridos e desviados de sua função original. Refinados, os instintos enfraquecidos deixam o homem mais sensível à dor, desacostumado a lutar pelo que precisa ou quer.23
    É claro que nobreescravo são tipos, portanto destacáveis de figuras históricas reais. Mas a genealogia percorre uma galeria de personagens judeus, sacerdotes, vikings, romanos nas quais estes tipos se encarnaram, de modo que estes personagens históricos acabam por ajudar a compor estes tipos abstratos, modelos psicológicos que ajudam a compreender, os caminhos e descaminhos dos procedimentos morais.24 Isto é apenas para lembrar que não há em Nietzsche nada como o mundo das Idéias de Platão; que nele toda tipologia ou universalização tem sua encarnação terrena que não é como uma cópia de um modelo puro e sim um compósito de singularidade histórica com abstração psicológica.25

    Bibliografia

    DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia, Trad. Edmundo Fernandes Dias e Ruth Joffily Dias, Editora Rio, Rio de janeiro, 1976.

    FOUCAULT, Michel. "Nietzsche, a genealogia e a história", in Microfísica doPoder, organização e tradução de Roberto Machado, Editora Graal, Rio de janeiro, 1989.

    NIETZSCHE, Friedrich. lhe Portable Nietzsche, edited and translated by Walter Kaufmann, Penguin Books, New York, 1954.

    NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal Prelúdio a uma filosofia do futuro, Trad. Paulo César de Souza, Companhia das Letras, São Paulo, 1992.

    . Genealogia da Moral, Trad. Paulo César de Souza, Editora Brasiliense, São Paulo, 2° ed. 1988.

    Notas

    1 Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral, ed. Cit., 1° dissertação, § 4, p. 24.
    2 Op. cit., 2° parte, "Do superar si mesmo", p. 127.
    3 Friedrich Nietzsche, Além do bem e do mal, ed. cit., § 158, p. 81.
    4 Op. cit., § 230, p. 137.
    5 Platão, Fédon, tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa, Editora Abril Cutural, São Paulo, 1972, coleção Os Pensadores, pgs. 71 e 72: "Crês que seja próprio de um filósofo dedicarse avidamente aos pretensos prazeres tais como o de comer e de beber?
    Tão pouco quanto possível, Sócrates! –respondeu Símias.
    E aos prazeres do amor?
    Também não!
    E quanto aos demais cuidados do corpo, pensas que possam ter valor para tal homem?(...)
    E agora, dizeme: quando se trata de adquirir verdadeiramente a sabedoria, é ou não o corpo um entrave se na investigação lhe pedimos auxilio? Quero dizer com isso, mais ou menos, o seguinte: acaso alguma verdade é transmitida aos homens por intermédio da vista ou do ouvido, ou quem sabe se, pelo menos em relação a estas coisas não se passem como os poetas não se cansam de nolo repetir incessantemente, e que não vemos nem ouvimos com clareza?"
    6 Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral, ed. cit., § 10, p. 35. "De fato, no desprezo se acham mescladas demasiada negligência, demasiada ligeireza, desatenção e impaciência, mesmo demasiada alegria consigo, para que ele seja capaz de transformar seu objeto em monstro 'è caricatura".
    7 Friedrich Nietzsche, Além do bem e do mal, ed. cit., § 116, p. 75.

    8 O filme foi dirigido por Kenneth Branagh; produção inglesa de 1990.
    9 Inspireime num dos epítetos de Zeus em: Homero. A Ilíada, trad. Cascais Franco, Publicações EuropaAmérica, pg. 23 "a estas palavras Zeus, ajuntador de nuvens, nada respondeu".
    10 Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral, ed. cit., § 11, p. 39.
    11 Op. cit.
    12 Op. cit., § 259, pg. 171.
    13 Para uma das definições que Nietzsche nos fornece de vontade de poder, ou vontade de potência, conferir: Vontade depotência, trad. Mário D. Ferreira dos Santos, Tecnoprint, Rio de janeiro, sal., livro terceiro, I, 1, 302, último parágrafo, pg. 246 e 2A, pg. 247.
    14 Gilles Deleuze, Nietzsche e a filosofia, trad. Edmundo Fernandes Dias e Ruth Joffily Dias, Ed. Rio, Rio de janeiro, 1976, cap. 4, § 10, p. 109.
    15 Irnmanuel Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, tradução de Paulo Quintela, Editora Abril Cultural, coleção Os Pensadores (volume Kant), São Paulo, 1974, p. 213: "Acontece por vezes na verdade que, apesar do mais agudo exame de consciência, não possamos encontrar nada, fora do motivo moral do dever, que pudesse ser suficientemente forte para nos impelir a tal ou tal boa ação ou a tal grande sacrifício. Mas daqui não se pode concluir com segurança que não tenha sido um impulso secreto do amorpróprio, oculto sob a simples capa daquela idéia, a verdadeira causa determinante da vontade. Gostamos de lisongearnos então com um móbil mais nobre que falsamente nos arrogamos; mas em realidade, mesmo pelo exame mais esforçado, nunca podemos penetrar completamente até os móbiles secretos dos nossos atos, porque, quando se fala de valor moral, não é das ações visíveis que se trata, mas dos seus princípios íntimos que se não vêem".
    16 Gilles Deleuze, Nietzsche e a filosofta, ed. cit., cap. 5, 2, p. 125.
    17 Friedrich Nietzsche, Além do bem e do mal, ed. cit., § 260, p. 173,174 "... apenas frente aos iguais existem deveres; de que frente a seres de categoria inferior, a tudo estranho alheio, podese agir ao belprazer ou `como quiser o coração"'.
    18 Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Gray, trad. José Eduardo Ribeiro Moretzsohn, Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1989, cap. XVIII, p. 155.
    19 Esta é uma referência ao fragmento de Protágoras: "O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são", encontrada no livro de Gilbert RomeyerDherbey Os Sofistas, tradução de João Amado, Edições 70, Lisboa, 1986, pg 23.
    20 Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral, ed. cit., Primeira dissertação, § 13, p. 43.
    21 Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral, ed. cit., Segunda dissertação, p. 79 e 80.
    22 Op. cit., p. 70.
    23 Op. cit., p. 70: "Talvez então direi para consolo dos fracotes a dor não doesse como hoje; ao menos é o que poderia concluir um médico que tratou negros (tomados aqui como representantes do homem préhistórico ) vítimas de graves infecções internas, que levariam ao desespero os mais robustos europeus o que não acontece com os negros".
    24 Op. cit., p. 52, 53 e 54. Todo este parágrafo fala da encarnação da tipologia, e da luta entre os dois tipos ao longo da História; começando pelos romanos (nobres) e os judeus (escravos) e terminando com a luta travada entre os dois modos de valorar durante a Revolução Francesa: "os romanos eram os fortes e nobres, como jamais existiram mais fortes e nobres, e nem foram sonhados sequer (..). Os judeus, ao contrário, foram o povo sacerdotal do ressentimento par excellence, possuído de um gênio moralpopular absolutamente sem igual: basta comparar os judeus com outros povos similarmente dotados, como os chineses ou os alemães, para sentir o que é de primeira e o que é de quinta ordem. (...) Em um sentido até mais profundo e decisivo, Judéia conquistou com a Revolução Francesa mais uma vitória sobre o ideal clássico: a última nobreza política que havia na Europa, a da França dos séculos XVII e XVIII, pereceu sobre os instintos populares do ressentimento nunca se ouviu na
    terra júbilo maior, nem entusiasmo mais estridente!".
    25 Op. cit., p. 27.

    Danielle le fay
    posted by iSygrun Woelundr @ 12:54 da tarde  
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