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    sábado, junho 24, 2006


    (Psicoterapia breve sem escola)


    Flávio Gikovate


    1. Introdução e apresentação dos objetivos
    Minha avaliação, ao fazer um retrospecto do que aconteceu com a psicologia e, em particular, com a psicanálise, ao longo do século XX, é de que as três primeiras décadas podem ser consideradas como a dos “anos dourados”. Os extraordinários avanços representados pela psicanálise jamais deveriam ser subestimados mesmo por aqueles que, como eu, sempre tiveram muitas dúvidas acerca do rigor e veracidade de suas conclusões. Às contribuições geniais de Freud se agregaram várias outras de seus “discípulos” mais dotados e que talvez por isso mesmo se tornaram dissidentes – a cega obediência dificilmente pode conviver com um espírito criativo e inovador. Jung, Adler, Ferenczi, Rank estão entre os muitos que participaram dessa época invejável, quando se trocavam experiências e os dogmas ainda não existiam, quando se estava na “oposição” e não no “governo” e todos, a maioria ainda jovem, foram amigos e analistas uns dos outros.
    Ao mesmo tempo, na Rússia e não na Áustria e arredores, estudos de fisiologia animal conduzidos por Pavlov introduziam interessantíssimos elementos ao processo de aprendizado, os chamados reflexos condicionados. Tais reflexos, uma vez estabelecidos, eram difíceis de serem desfeitos e, na prática, atuavam como os reflexos incondicionados, aqueles com os quais nascemos e que nos protegem contra animais perigosos, escuro, ruídos fortes, entre outros. As reações neurofisiológicas relacionadas com a luta e a fuga e que são a essência dos processos orgânicos relacionados com o stress também foram estabelecidos por volta dessa época.
    A partir dos anos 1930 a psicanálise passou a ter crescente credibilidade e as sociedades psicanalíticas se estenderam para quase todas as partes do mundo. O assim chamado “movimento psicanalítico” foi, cada vez mais, sendo conduzido por discípulos e não por Freud pessoalmente. As formas de treinamento de novos profissionais e as técnicas de trabalho foram sendo padronizadas de forma cada vez mais consistente, especialmente depois da morte do fundador (1939) e especialmente na Inglaterra, para onde migrou o centro de poder do “movimento”. Surgiram, de modo mais evidente, as disputas pelo poder. Todos queriam suceder o mestre, inclusive sua filha Ana e Melanie Klein. Não há interesse em descrever detalhes assim “humanos” observados entre aqueles que se propunham a ser criaturas mais equilibradas e bem “analisadas”.
    Não é o caso aqui de aprofundar a descrição do que acontece quando uma doutrina se transforma em uma instituição e o que isso possa significar para o avanço ou retrocesso de uma ciência. De forma genérica, penso que o processo passa a ser governado pelas regras usuais nas instituições, qualquer que seja a doutrina envolvida. O fato é que foi dessa forma que a psicanálise se estabeleceu e se disseminou, gerando núcleos autoritários em todos os continentes. Encontrou grande oposição na França, talvez em virtude das históricas rivalidades européias. Como costuma acontecer em outros setores da atividade humana, é claro que grupos críticos também se constituíram em toda a parte, defendendo pontos de vista antagônicos ao da psicanálise, ou seja, de que o essencial para o entendimento da nossa condição tem que ser procurado nos meandros do nosso cérebro, na química e nos mecanismos recém descobertos relacionados aos reflexos condicionados. Entre esses opositores, o mais radical e vibrante talvez tenha sido Eisenck, professor na Universidade de Londres, e que fazia guerra aberta à “sede central” da psicanálise, localizada há poucos quarteirões de distância de sua sala.
    Outros autores atuavam no desenvolvimento de processos relativos aos mecanismos reflexos, de modo que começaram a pipocar trabalhos mostrando a utilidade de propostas terapêuticas derivadas dessa matriz. Surgiram, nos USA, os textos de Skinner propondo técnicas específicas para o tratamento de crianças deficientes e também para outras condições. Autores de formação médica, especialmente Wolpe e Lazarus, desenvolveram os primeiros tipos de terapias comportamentais para aplicação em casos de fobias. Outros autores também se dedicaram a essa tarefa, especialmente em Londres a partir dos anos 1960.
    A França só passou a se interessar pela psicanálise quando ficaram conhecidos os trabalhos de Lacan, uma espécie de reescritura dos textos originais de Freud em uma visão talvez ao mesmo tempo revolucionária e adaptada ao modo de pensar dos franceses. De todo o modo, para a psicanálise de linhagem inglesa, que vinha vivenciando ao mesmo tempo grande reconhecimento internacional e severo processo de cristalização – entendido como empobrecimento de suas possibilidades de renovação e perda total de criatividade –, a entrada em cena de Lacan e das sociedades que se constituíram em seu nome significou em grave cisão interna e polarização de posições no seio do “movimento”. Além de uma vertente “Junguiana”, sempre presente, mas pouco influente, havia agora os “Lacanianos” que se opunham aos tradicionais psicanalistas da escola freudiana inglesa.
    Entre os comportamentalistas também havia divisões: os discípulos de Skinner eram os mais radicais e negavam qualquer utilidade a algo que não fossem os trabalhos de condicionamento operante. Os de mente um pouco mais aberta aceitavam os empenhos de tratar pessoas por meio de processos de dessensibilização sistemática e até mesmo técnicas mais radicais tipo “implosion” – exposição de um fóbico, por exemplo, à mais adversa condição para buscar um resultado mais rápido – e que foram usadas com algum sucesso pelo grupo do Maudsley Hospital de Londres chefiado por I.M.Marks. Surgiu, também nos USA, o termo “terapia cognitiva”, cunhado por A. Beck e também desenvolvido por A. Ellis, e que implicava em tratamentos envolvendo contatos verbais de caráter não dinâmico, ou seja, conversas que pretendiam entender os equívocos cometidos durante o processo de compreensão de uma dada situação geradora de sintomas e buscar fórmulas terapêuticas, muitas vezes semelhantes às desenvolvidas pelos comportamentalistas. Da reunião delas surgiram as terapias cognitivo-comportamentais, hoje tão bem aceitas.
    Dentre os psicanalistas que, antes da segunda guerra mundial, migraram para os USA, cabe o registro especial para Franz Alexander. Trabalhando em casos de medicina psicossomática, tratou de tentar adequar os conhecimentos psicodinâmicos estabelecidos pela psicanálise a formas de tratamento mais adequadas à cultura norte americana. O senso prático, as questões até mesmo de caráter material próprios desse povo para quem os resultados contam mais do que as doutrinas – até porque não costumavam ser grandes produtores de teorias – criaram as condições ótimas para o surgimento das primeiras reflexões efetivas acerca da necessidade de revisão da técnica psicanalítica no sentido de torná-la mais adequada à prática médica. Surgiram, ao longo dos anos 1950, os trabalhos iniciais de psicoterapia analítica breve sistematizados no livro, escrito por Alexander junto com T. French, chamado Terapêutica Psicanalítica, marco básico para o surgimento das técnicas psicoterapeuticas hoje mais usadas em todo o mundo. Otto Rank, que também havia emigrado e se preparava para viver uma nova etapa, talvez a mais produtiva de sua vida, inclusive com interferência nas questões técnicas, morreu prematuramente logo após a guerra.
    Não se pode deixar de registrar que na Inglaterra do pós-guerra também aconteceram importantes contribuições e que influenciaram a maneira de pensar de muitos psicoterapeutas em todo o mundo. Talvez o mais influente, junto com Winnicott, tenha sido Bowby, que tratou particularmente dos vínculos, dos elos que unem crianças às suas mães e de como eles podem influir no modo de vivenciar relacionamentos em fases posteriores da vida.
    O trágico é que os profissionais mais ortodoxos e radicais defensores de cada uma dessas doutrinas têm tanta certeza de que estão de posse da verdade absoluta que nem sequer se dão ao trabalho de ler o que pensam seus colegas pertencentes a outros grupos. Aliás, a simples existência de tais grupos já é dramática, pois não é assim que se faz ciência. Ciência depende da observação de fatos, de resultados. Ciência depende de debates, de confronto entre pontos de vista e resultados, e não da formação de “escolas” que se isolam e não querem contato com oponentes. Não existe teoria física que se sustente se os fatos não a comprovarem. Em psicologia isso existe!
    Ainda hoje existem, e são maioria, os defensores desse ou daquele grupo teórico. Na prática, porém, todos tem tido a necessidade de trabalhar de forma mais homogênea. Hoje vivemos divergências teóricas enormes e práticas terapêuticas mais afinadas. A grande maioria dos terapeutas não tem tido resultados brilhantes e a conseqüência disso tem sido o forte declínio da procura por psicoterapias e uma diminuição do respeito pelos profissionais que as praticam. Surgiram medicamentos novos, razoavelmente eficientes, e muitos são os que preferem se submeter a tratamentos farmacológicos ao invés de psicoterapias. Outros preferem relaxamentos, Yoga ou práticas de meditação. Outros ainda aderem a algum dos inúmeros tipos de charlatanice que sempre se renovam. Muitos preferem ler livros que parecem lhes dar a fórmula da salvação.
    Aqueles profissionais que trabalham com melhores resultados são os que têm uma visão mais global, mais ampla das questões humanas, além de se sentirem menos comprometidos com qualquer tipo específico de teoria psicológica ou técnica psicoterapêutica. É claro que todos temos nossas preferências, mas o que se segue, e que constitui a base do que hoje se chama de psicoterapia breve sem escola, tem por finalidade o bem estar do paciente. Trata-se de um trabalho personalizado, onde se busca essencialmente uma forma de encaminhar e, se possível, solucionar os dilemas e dramas de uma dada pessoa. Não se trata de defender essa ou aquela teoria ou técnica terapêutica. Trata-se de ajudar o indivíduo que nos procurou a sair do desconforto em que está mergulhado.


    2. Um referencial teórico, ainda que genérico

    Quando se fala em “psicoterapia breve sem escola” não se está pensando em ausência de qualquer tipo de fundamento teórico e sim numa visão eclética, onde todos os pontos de vista são levados em conta. O ideal seria que o terapeuta estivesse familiarizado com as diversas correntes que têm se digladiado, que evitasse o conflito e buscasse extrair o que de melhor elas têm para o tratamento de seus pacientes. Uma psicoterapia focada no paciente implica em domínio da prática sobre a teoria: o terapeuta observa a realidade com cautela e a maior objetividade possível e tenta encontrar o melhor caminho de ajudar seu paciente. Trata-se, comparando com a moda, de um trabalho de “alta costura” e não o “pret a porter”, uma técnica e um procedimento que terão que servir para todos. Cada caso é um caso.
    Acho que a expressão que pode definir um posicionamento teórico eclético e de utilidade operacional é a de que “o homem é um ser bio-psico-social”, o que ouço desde os tempos em que era estudante de medicina e que só muito recentemente entendi exatamente o que significa – ou acho que entendi! Que tenhamos nascido com uma máquina bastante interessante e potente, constituída de 100 bilhões de neurônios, é fato que não desperta mais nem espanto e nem dúvidas. Apesar de possuí-la, vivemos quase como os macacos superiores por cerca de 100 mil anos antes de termos podido iniciar a constituição de uma vida típica da nossa espécie. As eventuais conquistas, feitas por pequenos grupos de humanos, não se perpetuavam, não passavam de uma geração à outra. Não havia forma de registrar tais aquisições, de modo que cada novo grupo humano tinha que iniciar tudo do zero.
    Nosso cérebro só começou a ser usado de modo mais efetivo quando fomos capazes de construir nossa principal e mais fascinante conquista: a linguagem. Ao associarmos símbolos aos objetos, situações e ações, ao usarmos fonemas para descrever tais símbolos, fomos capazes de construir seqüências deles – e seus sons – que descreviam acontecimentos e também indicavam o que se passava na mente da pessoa que falava e que agora passava a ser inteligível aos outros membros daquele grupo, uma vez que todos aceitavam os mesmos símbolos como indicativos das mesmas coisas. Desta forma, tornou-se possível a transmissão de informações também de uma geração à outra, iniciando um processo de acumulação de conhecimento que desembocou nos avanços que temos acompanhado ao longo dos últimos séculos e, principalmente, das últimas décadas.
    A construção da linguagem criou condições para que as correlações entre os símbolos (agora chamadas de palavras) pudessem se dar das formas as mais variadas e mesmo sem conexão direta com o mundo material. Surgem hipóteses, idéias a respeito de condições que não existem, surge a capacidade de julgar, de avaliar a conduta dos semelhantes, surgem as possibilidades de constituição de grupos cada vez maiores através da constituição de uma certa ordenação e também da racionalização do trabalho; e assim por diante. Surge também a mentira! Ou seja, a capacidade de uma pessoa falar que sente o que não sente, que assistiu o que não ocorreu, que fez o que não fez. A memória passa a ser usada de forma mais eficaz, uma vez que armazena mais e com mais facilidade graças ao uso das palavras. Surgem também os lapsos de memória.
    Mesmo que compreendamos que o nosso sistema de pensamento deriva da atividade cerebral, a verdade é que não temos a menor idéia de como aquelas células são capazes de produzir pensamentos. E muito menos como estes pensamentos se correlacionam entre si, como se comunicam e interagem com outros humanos, como eles geram novos pensamentos que poderão se transformar em novos fatos que irão, através da ciência e seus avanços, gerar um habitat cada vez mais modificado em relação àquele que o homem primitivo encontrou. Assim, o pensamento é parte de um fenômeno que percebemos como autônomo, independente da função cerebral. Vivemos nossa subjetividade como constituída por algo imaterial, um universo de idéias, emoções e correlações que não tem mais nada a ver com a atividade cerebral e que só irá depender dela nos casos em que ali vierem a existir problemas ou danos físicos efetivos. O fato é que vivenciamos nossa subjetividade como desvinculada do cérebro. Talvez daí se tenha extraído a idéia tradicional de que ao nosso corpo se incorporava uma Alma – termo com o qual simpatizo muito e que proponho seja reintroduzido em substitição a Mente, que tem uma conotação um tanto material e científica que nos induziria a pensar que temos mais conhecimento sobre o assunto do que efetivamente temos. Alma implica em algo quase mágico, capaz de produzir a música, as obras de arte, os poemas, e tantas outras coisas boas e más.
    Ao usar o termo “alma” estou pensando que ela é uma parte imaterial que se formou a partir da atividade cerebral, mas que ganhou vida própria, na qual os pensamentos se inter-relacionam de uma forma livre, aleatória e independente do corpo – do qual só volta a depender, insisto, em casos de danos na parte física que a sustenta. Assim, existem os problemas derivados de danos na atividade cerebral. Existem também problemas e sofrimentos derivados de equívocos que surgem no seio das atividades próprias da alma. Correspondem a dois domínios independentes, mas que interagem permanentemente. Na metáfora de informática, útil já que este setor da atividade sempre tenta imitar o que acontece conosco, o cérebro é o hardware enquanto que a alma corresponde ao software.
    A complexidade própria da nossa condição não para por aí. Por força de vários elementos, alguns de natureza instintiva e outros ligados ao estilo de vida que fomos construindo, vivemos em grupos cada vez maiores, definidos por interesses territoriais, divisão do trabalho e dos seus frutos, língua única e estilos de vida definidos que se constituíram ao longo da vida das gerações que nos antecederam. Elas construíram também um conjunto de normas de valor e de pontos de vista com os quais nos familiarizamos desde pequenos e que constituem nossas crenças. Assim, o homem, em virtude de suas características biológicas e principalmente do modo como funciona sua alma, se constitui e se organiza em grupos sociais peculiares.
    Nascemos com o cérebro praticamente formado. A alma inexiste, e terá que ser moldada a cada geração – ontogênese. Isso acontece de modo mais fácil do que no início da nossa história como espécie – filogênese – justamente porque o grupo onde hoje nascemos já estava composto e acumulou informações práticas e crenças. Cada nova criatura abastece, ao menos inicialmente, sua alma incorporando os usos e costumes do seu grupo, de modo a melhor fazer parte dele. Nossa constituição sofre, pois, brutal influência do grupo onde crescemos e das crenças que o regem. Cada geração fará avanços justamente ao colocar em dúvida as crenças adquiridas sem reflexão e propondo novos conceitos práticos ou de estilo de vida. Assim, nossa alma irá primeiro se constituir a partir das normas do grupo social em que nascemos e depois irá ser o fator de modificação dessas mesmas normas. Nunca será demais ressaltar a importância das primeiras e fundamentais relações afetivas entre cada bebê e seus pais, especialmente sua mãe, na formação de cada novo adulto, uma vez que elas exercem papel essencial na maneira como as normas e crenças da cultura são transferidas em cada contexto familiar específico.
    Mesmo não sendo o caso aqui de discutir em profundidade como se constituem nossas sociedades e as regras práticas que as regem, fica claro o quanto somos os criadores delas e como somos influenciados por elas. Aliás, tudo o que se passa conosco como espécie é assim: o cérebro “produz” a alma que ganha vida própria e pode mesmo influir sobre o corpo. O homem, agora possuidor de alma, se constitui em sociedade e depois ela irá influir sobre as almas que as constituíram e sobre as gerações que vierem. Ou seja, o corpo gera a alma e essa a sociedade. A sociedade influencia sobre a alma e o corpo, enquanto que a alma influencia o corpo e a sociedade, sendo verdade que nada disso existiria sem a atividade cerebral.
    Fica muito difícil, pois, pensarmos em nós como possuidores de uma “natureza humana” fixa, algo similar ao que acontece com os outros animais, inclusive com os mamíferos superiores com os quais muitos autores insistem, equivocadamente a meu ver, em nos comparar. Costumamos chamar de nossa natureza aquilo que nossos antepassados formaram como hábitos, ou seja, a mistura de algumas propriedades biológicas com um conjunto de crenças. Porém, tais crenças – e mesmo o que é biológico – constituem apenas uma das possibilidades, uma das quase infinitas possibilidades. Nossa “natureza” se modifica em cada época, pois temos que nos adaptar àquilo que nós mesmos criamos em termos de meio externo, estrutura social e até mesmo convicções intelectuais. Somos seres incrivelmente mutáveis, de modo que me soa um tanto simplista afirmações, por exemplo, de neurobiologistas influenciados pelas teorias darwinianas de que estamos apenas a serviço da perpetuação da espécie. Prefiro o ponto de vista de Ortega y Gasset, de que o homem não tem natureza; o homem, segundo ele, tem história!
    Este caráter “plástico” que nos caracteriza explica inclusive certas variações que se passam no domínio da psicopatologia. Minha geração viu desaparecer as manifestações de histeria de conversão, aqueles quadros que correspondiam às primeiras pacientes de Freud. Ainda vi muitos casos de paralisia e cegueira histérica nos meus tempos de médico residente, isso nos anos de 1966-7. Todos sabemos que a freqüência de homossexualidade cresce e decresce conforme as normas de cada época e sociedade. Hoje assistimos uma epidemia de casos de bulimia e anorexia, fenômenos que eu desconhecia há 30 anos atrás. E assim por diante. É sempre bom estar atento a mudanças tanto no plano dos distúrbios psíquicos como mesmo das doenças físicas. No meu caso, tive o desprazer de acompanhar alguns dos primeiros casos de AIDS que surgiram no Brasil, trazidos por homossexuais viajantes e que freqüentavam boates e bares em Nova York e Paris. A perplexidade era enorme, pois ainda não se tinha idéia do que estava acontecendo. Isso se deu por volta de 1980, ou seja, há menos de 25 anos.
    De uma forma bem geral e apenas com finalidade operacional tentarei relatar quais as principais peculiaridades de cada um destes três segmentos que nos constituem no que diz respeito aos distúrbios psíquicos que nos interessa tratar por meio das técnicas breves de psicoterapia. Elas serão apenas mencionadas aqui e algumas delas serão melhor explicadas ao descrever alguns casos típicos de propostas terapêuticas, o que farei adiante. No que diz respeito ao cérebro, dependemos dele basicamente nas seguintes condições:
    a) Quando se estabelecem reflexos condicionados envolvendo principalmente situações de medo ou ansiedade. Tais reflexos são fáceis de serem estabelecidos e por vezes difíceis de serem desfeitos. São mecanismos importantes nas fobias de todo o tipo, em distúrbios obsessivos e participam da constituição de vários outros distúrbios.
    b) Quando existem experiências traumáticas graves se constitui uma síndrome cada vez mais bem conhecida que se chama Síndrome do Stress Pós Traumático.
    c) Quando surgem quadros depressivos relacionados com alterações de concentração de Serotonina nas sinapses cerebrais.
    d) Nos casos de dependência química de drogas psicoativas, onde parece haver a interferência de outras aminas cerebrais, especialmente a dopamina.

    Quando pensamos naqueles distúrbios que dependem essencialmente da alma, de falhas derivadas do processo de pensar, sentir e avaliar situações e pessoas, podemos enumerar principalmente as seguintes:
    a) Erros de avaliação de si mesmo, comprometendo a auto-estima. Isso em diversas fases da vida, dependendo de peculiaridades físicas, forma como somos tratados por pais e irmãos, de resultados que obtemos em tarefas a que nos propomos.
    b) O quanto fomos capazes de superar os obstáculos que fazem parte de nossa história de vida, de modo a termos ou não completado nosso amadurecimento emocional e também a plena evolução moral.
    c) Os dramas e dilemas que derivam do fato de que temos muitas escolhas fundamentais a fazer ao longo da vida: escolha de parceiros sentimentais, escolhas profissionais e também de estilo de vida.
    d) As angústias que podem derivar das grandes questões de nossa existência e que a alma pode detectar: o sentido da vida, o medo da morte, possíveis condições posteriores ao fim dessa vida etc.

    Por fim, e apenas esboçando questões extremamente complexas, dependemos do modo como as normas de uma dada sociedade influem sobre nós, propondo valores consistentes ou não, exigindo desempenhos possíveis ou não. Vejamos alguns exemplos capazes de desestabilizar nossa subjetividade:
    a) Nos desequilibramos quando a moda nos propõe padrões estéticos que não fazem parte de nossa biologia e não são fáceis de serem atingidos por nós, como é o caso de um peso ideal muito baixo. Isso implica em aumento grande dos casos de bulimia e anorexia, além de enorme número de pessoas que passam a depender de substâncias químicas anorexígenas, sem falar da epidemia de cirurgias estéticas de resultados duvidosos.
    b) As pressões de desempenho sexual só têm crescido. Sempre foram grandes sobre os homens, o que é importante fator nos distúrbios sexuais masculinos. Têm se tornado muito grandes também sobre as mulheres, levando muitas delas a problemas e a fingir orgasmos que inexistem.
    c) Temos sofrido pressões enormes no sentido da socialização, especialmente os jovens, em especial no trato com o sexo oposto, o que gera timidez. Os meninos sofrem pressões enormes no sentido de estarem de acordo com os padrões agressivos tidos como típicos da virilidade; quando não conseguem, ficam predispostos ao desenvolvimento homossexual. As meninas sofrem pressões estéticas e de sucesso com o sexo oposto o que também gera condições facilitadoras da homossexualidade feminina.
    d) Posturas rejeitadoras da sociedade sobre determinados grupos minoritários gerando frustração, humilhação, ressentimentos e reações emocionais indevidas. São vítimas negros, índios, minorias étnicas em geral, divorciados ou solteiros em determinadas sociedades, homossexuais etc.
    e) Pressões no sentido de padronização da vida afetiva, das pessoas todas se casarem e com parceiros complementares. Preconceitos contra aqueles que decidem viver sozinhos, ou, mesmo casados, que não querem ter filhos. Pressões para o casamento precoce podem determinar erros na escolha de parceiros, gerando dilemas emocionais de monta em momentos futuros.
    É claro que esses poucos exemplos não cobrem toda a gama de questões relativas aos dilemas da vida emocional e dos distúrbios psíquicos. Fazem parte, porém, dos principais ingredientes com os quais temos que lidar na prática clínica quotidiana, pois dizem respeito à grande maioria dos nossos pacientes, especialmente aqueles que podem ser tratados pelas técnicas breves de psicoterapia.
    3. Propriedades de um “bom psicoterapeuta”

    Nas revistas de psiquiatria surgem periodicamente estudos completos (meta-análises) de revisão de eficácia dos diversos tipos de psicoterapia. Os resultados são, quase sempre, similares – hoje com certa vantagem para as técnicas cognitivo-comportamentais especialmente nos casos específicos onde o medo ou a ansiedade está em jogo. Além de resultados bastante semelhantes, lembro-me de um estudo que li há cerca de 30 anos (cuja referência me escapa) que mostrava que ao invés de seguidores de uma das diversas técnicas os terapeutas podiam ser classificados em “bons” e “maus”. E mais, que os bons terapeutas trabalhavam, na prática, de modo muito similar independentemente da corrente teórica à qual se filiavam. Ou seja, na realidade, eram terapeutas ecléticos, que atuavam de acordo com procedimentos que transbordavam os limites das doutrinas nas quais haviam sido formados.
    Fiquei profundamente impressionado por esse estudo, que era norte-americano, onde a prática parecia ser mais importante que a teoria. Talvez seja pretensão, mas o que gostaria de descrever aqui são as propriedades que considero fundamentais para aqueles que quiserem ser parte do grupo dos bons terapeutas. E a primeira deriva do que já foi escrito: que a vontade de ajudar o paciente, de entender o que se passa com ele seja maior do que o desejo de encaixá-lo dentro das normas de qualquer teoria.
    Esse desejo de entender e de verdadeiramente se entender com o outro é o elemento essencial daquilo que se chama de empatia. Não se trata de processo fácil e não é, para a maioria de nós, um fenômeno espontâneo. Trata-se inicialmente de compreendermos a dificuldade que existe na comunicação entre os humanos, mesmo entre aqueles que falam a mesma língua e cresceram numa mesma cultura. Cada “software” é único, já que a partir dos 2-3 anos de idade cada um começa a correlacionar as informações que recolheu por meio das palavras, sendo que esse processo se torna cada vez mais complexo e ímpar, pois o modo como se arranjam os pensamentos não é igual nem mesmo nos gêmeos univitelinos – cujas diferenças, tanto em temperamento quanto em relação a condutas patológicas, têm sido registradas com frequência crescente nas publicações técnicas. Assim, cada um de nós é uma espécie de ilha isolada e a consciência desse caráter único nos dá a idéia de como é difícil tentarmos penetrar na alma do outro. Cada um de nós, por sermos únicos, estamos condenados, no essencial, a uma “radical solidão” (Ortega y Gasset).
    A consciência dessa dificuldade na comunicação entre nós e nossos pacientes não deve estar a serviço de desanimarmos. Deve nos alertar para o fato de que empatia não implica em nos colocarmos no lugar do outro levando nossa alma para o corpo dele. Temos que tentar entender como funciona a alma do outro. Temos, como “hackers”, que entrar no “software” do paciente para entender como ele opera para melhor detectar deficiências e falhas no sistema dele. Depois temos que “sair de dentro dele” e, de fora, tratar de contar a ele o que é que vimos enquanto estivemos “nele”. A verdadeira empatia se baseia na aceitação das diferenças e na tentativa de superação das dificuldades de entendimento entre diferentes.
    O que acontece quando conseguimos êxito nesse tipo de procedimento é que o paciente se sente aconchegado, entendido. Se sente menos sozinho! Já estamos diante de uma relação especial que, bem usada, poderá ter grande eficácia terapêutica. Aliás, esse mesmo trabalho cuja referência perdi falava muito da importância dos “fatores inespecíficos” na eficácia das psicoterapias. Os fatores específicos seriam aqueles derivados da teoria e técnica particular que porventura esteja sendo praticada. Os fatores inespecíficos dependem mais que tudo da postura empática do terapeuta e de outras peculiaridades próprias de sua personalidade. Tudo leva a crer que os fatores inespecíficos estão longe de serem irrelevantes quando se trata de avaliar resultados. Assim, além de se familiarizar com uma determinada teoria psicológica – que idealmente deverá ser eclética e aberta a todo o tipo de inovações – e de conhecer procedimentos psicoterapeuticos específicos, o bom terapeuta tem que se preocupar consigo mesmo, com sua evolução como pessoa, com o seu papel, com o que ele vai representar para seus pacientes.
    Em verdade estou me referindo a duas questões diferentes: a do chamado “efeito placebo” e a das propriedades psicológicas do bom terapeuta. Algumas breves palavras a respeito do efeito placebo são indispensáveis, uma vez que a atitude positiva do paciente diante da eficácia de qualquer tipo de medicação, fármaco ou qualquer outro tipo de tratamento, parece aumentar muito a eficácia do dado tratamento. Lembro-me, há 30 anos atrás, de um cardiologista querido – falecido precocemente – que veio me contar, impressionado, como o propanolol parecia muito mais eficaz quando ministrado por ele do que por seus colegas que não eram tão entusiastas em relação ao terapêutico dos chamados beta bloqueadores que estavam nascendo por aqueles anos. Era como se fossem dois remédios diferentes, dizia ele: o que ele administrava parecia de melhor qualidade do que o de seus colegas!
    Os estudos a respeito de hipnóticos exigem, mais que tudo, controles sofisticados com drogas neutras – os placebos – uma vez que um terço dos pacientes adormecem com pílulas de talco enquanto que o melhor dos hipnóticos adormece dois terços dos insones. Há tendências nos USA de iniciar todo o tipo de tratamento farmacológico para insônia com placebo, uma vez que se resolveria uma boa parte dos casos sem necessidade de medicação eficaz. Ora, se isso é válido para a medicina em geral, que dizer de sua eficácia nos tratamentos essencialmente psicológicos? É possível que todos os tipos de terapias alternativas, sem base teórica alguma, tenham sua eficácia apenas fundada no otimismo e nas belas palavras proferidas por quem ministra tal tipo de “tratamento”. É provável também que o efeito placebo não tenha eficácia no longo prazo e jamais deveria ser visto como procedimento terapêutico por si. Porém, serve muito bem para o início de um relacionamento psicológico, para que se estabeleça um bom clima, um clima de confiança e otimismo que, sem dúvida alguma, aumenta muito as chances de se chegar a um bom resultado, especialmente quando a esse efeito se associa um procedimento terapêutico efetivo e eficaz.
    O preparo intelectual e emocional do psicoterapeuta me parece cada vez mais fundamental. Não que eu seja favorável a procedimentos obrigatórios como o da “análise didática” imposta pelas sociedades de psicanálise; mas a realidade é que um bom terapeuta é portador de determinadas propriedades que deveriam ser a meta daqueles que se dedicam a esse ofício. Acho complicado um indivíduo muito pouco consciente de suas peculiaridades emocionais ser um bom terapeuta. Acho improvável que um drogado seja bom terapeuta, assim como um obsessivo-compulsivo ou um portador de distúrbios da personalidade e precária formação moral. A confiança que um paciente tem que desenvolver em relação ao terapeuta para se sentir à vontade e confidenciar emoções e vivências desagradáveis não são compatíveis com tais características. O bom terapeuta tem que ser pessoa sincera; e espontânea. Tem que se comportar como é. Ou seja, não existe um tipo de terapeuta, um modo de ser terapeuta. O bom terapeuta é aquele que é ele mesmo!
    Acontece que para uma pessoa poder ser ela mesma tem que estar razoavelmente bem em sua própria pele. Isso não se consegue por decreto. Depende do indivíduo estar em conformidade com seus próprios valores. Ou seja, o terapeuta com boa auto-estima tem que ter, antes de tudo, um conjunto de valores aos quais se refere. Depois, tem que agir e viver em concordância com esses mesmos valores. Creio que esses são os ingredientes fundamentais do que se pode chamar de maturidade emocional e moral, condição indispensável para que o terapeuta não se perca em nenhuma das situações complexas e, por vezes, constrangedoras que envolvem o trato com pessoas nem sempre tão bem consigo mesmas e muito menos em paz com seus companheiros, inclusive com quem está tentando ajudá-lo.
    O processo da empatia e eventuais outros mecanismos psíquicos que chamamos de intuitivos deverão, ao menos idealmente, se transformar em fórmulas racionais na alma do terapeuta. Isso para que ele esteja em ótimas condições de dar o melhor encaminhamento a cada situação. Não se trata de possuir fórmulas prontas. Tudo tem que ser resolvido ali e agora também pelo terapeuta. É preciso ousadia. É preciso que não se tenha medo de errar. É claro que ninguém procura o erro e nem se alegra com ele. Acontece que muitas vezes o erro é muito eficiente para o processo terapêutico: falo algo ao meu paciente que o deixa inquieto e insatisfeito – se falei aquilo é porque achei que estava ajudando e dando o encaminhamento adequado à situação; na consulta seguinte ele volta dizendo que não passou bem e começa de novo a relatar a situação que deu origem à minha má interpretação. Na própria forma de recontar sua história o paciente irá me dar a indicação de onde errei, de modo que poderei retomar uma rota adequada e produtiva, o que será imediatamente reconhecida por ele como tal, já que provocará sensação de alívio e bem estar. O paciente não se incomoda com nosso erro a menos que queiramos defendê-lo até à morte, tratando sua discordância como “resistência”, o que, na maioria das vezes, é absurdo e óbvia manifestação de prepotência do profissional.
    O bom terapeuta é pessoa serena, amadurecida emocional e moralmente, o que significa na prática que tolera bem frustrações e dores, que tem controle sobre suas emoções, especialmente as de natureza agressiva, que é capaz de ousar, errar, reconhecer o erro e aprender com ele, que tem princípios éticos e vive de acordo com eles. Sendo assim, passará a sensação de ser pessoa confiável, elemento indispensável para o bom andamento de uma relação assim íntima e complexa como é a relação terapêutica. Todo aquele que pretenda se aprimorar como psicoterapeuta terá que ter como meta seu próprio desenvolvimento emocional. Costumo dizer que eu sou o meu cliente favorito!
    Sempre é bom lembrar que um bom terapeuta é pessoa séria e estudiosa, preocupado em expandir sua formação intelectual, sua base teórica. Terá que ser portador de um cérebro “poroso”, o que significa uma capacidade permanente de reciclagem de estar sempre disposto a mudar de idéia se novos fatos – ou mesmo novas idéias – parecerem interessantes e eficientes. Não deve ser um mestre e sim um aprendiz. Deve colocar-se diante de cada paciente como se pudesse esquecer tudo o que sabe de psicologia e estivesse ali para aprender. É o oposto do que fazem quase todos, ou seja, tratar de rapidamente enquadrar o paciente em um dos seus rótulos e compartimentos. O bom terapeuta é bom ouvinte e está permanentemente aprendendo com todos aqueles com quem conversa. Essa é a razão pela qual a profissão pode ser fascinante por longo prazo. Muitas vezes me perguntaram como é que eu agüento trabalhar tantas horas e por tantos anos. Não estaria eu enjoado de ouvir sempre as mesmas histórias? Claro que não, porque minha postura é a da permanente renovação. Não estou atrás do que aquela dada história tem em comum com tantas outras que já ouvi. Estou atrás do que ela tem de original, de própria, de única. E sempre é possível encontrar algo de novo e fascinante mesmo no mais comum dos relatos.


    4. Psicoterapia breve: as primeiras consultas

    A primeira consulta em nossa especialidade é a mais importante de todas. Inicialmente temos que nos fazer conhecer sem que isso implique em qualquer procedimento exibicionista. Temos que ser como somos e ver como aquele dado paciente reage ao nosso jeito. É claro que quando somos pessoas sinceras e razoáveis acontecerão mais simpatias do que antipatias. Ainda assim, poderão ocorrer desacertos, o que provavelmente irá se manifestar em seguida, uma vez que o paciente não retornará. Temos que nos fazer confiáveis, dignos das confidências que ouviremos. Isso, como disse, se faz automaticamente. Se faz facilmente confiável quem é, de fato, confiável!
    Ouvir uma história de forma tranqüila, sem deixar de se emocionar, mas ao mesmo tempo sem se surpreender demais é uma arte. A impessoalidade do terapeuta não é minha postura e nisso estou de pleno acordo com a psiquiatra norte-americana J. Halpern que escreveu um interessante livro sobre empatia. É preciso ter domínio sobre as próprias emoções, pois se emocionar implica em viver a história que se está ouvindo, exatamente como nos acontece quando vamos ao cinema. Porém, é preciso vez por outra sair da situação de empatia para um momento racional de reflexão e ponderação, comunicada ou não para o paciente conforme consideremos necessário e oportuno. Jamais devemos agir de modo a fazer julgamento de valores. O bom terapeuta não é um juiz, apesar de ter seus valores. Tem que respeitar o modo de ser do paciente.
    É preciso cuidado para não fazer observações precipitadas, ainda que muito apropriadas, agudas e corretas. Muitos pacientes eu perdi por ter sido “eficiente” demais na primeira entrevista, falando coisas que os surpreenderam a tal ponto que jamais voltaram. Quando revejo, com calma, esses meus procedimentos, eles estiveram a serviço da minha vaidade, de querer mostrar como eu era competente e rápido. Rápido demais para o gosto de determinados clientes. Rápido e ineficiente, já que o paciente foi embora. É preciso serenidade e paciência para falar as coisas de forma adequada e na hora oportuna. É evidente que não existe a menor possibilidade de jamais errarmos. Só não erra quem não faz. Aliás, os críticos da empatia como processo através do qual o terapeuta se envolve e se emociona dizem que tal procedimento aumenta o número de erros devidos a um eventual envolvimento excessivo do profissional. Talvez seja verdade. Porém, penso que erra mais aquele que, acovardado, prefere o distanciamento que impede o pleno contato com a alma do paciente.
    De todo o modo, a primeira consulta serve para o mútuo conhecimento e também para que se construa um projeto de trabalho. Para o melhor andamento desse encontro fundamental o interessante seria podermos dispor de um tempo variável e não fixado em 45-50 minutos. O ideal é que a primeira consulta termine depois que se tenha construído o plano de tratamento. Se isso não for possível, o faremos no próximo encontro que, de fato, será a continuação do primeiro. O projeto deverá ser construído em comum acordo. Quando se pensa em psicoterapia breve pensamos em algo como 25-30 consultas, em geral semanais. Ou seja, algo como seis meses de tratamento. Um projeto definido de trabalho se torna indispensável, uma vez que a tendência de um trabalho amplo e aberto como um leque é de durar por muito mais tempo.
    O terapeuta coloca os aspectos que lhe pareceram mais relevantes do que foi conversado e propõe que se siga um determinado caminho. Deverá ouvir o que o paciente tem a dizer, se ele considera adequadas as observações que ouviu, se acha mesmo que a problemática levantada pelo terapeuta é a que mais o incomoda. É preciso sempre estar disponível para ouvir o paciente de igual para igual e não da forma autoritária que costuma ser a postura de tantos maus terapeutas. Não se trata da imitação da relação pai-filho e sim de algo mais nivelado, onde a única diferença consiste no fato do terapeuta ter mais conhecimento e experiência para lidar com os temas em questão. O autoritarismo do terapeuta tem a ver com a arrogância intelectual que muitos têm por se acharem parte de um grupo de eleitos, os membros dessa ou daquela “seita”. Nada é mais deprimente do que presenciar a altivez de quem parece que não tem, não teve e jamais terá problemas semelhantes aos dos seus pacientes.
    Muitas são as vezes em que o relato do paciente mostra a existência de mais de um problema. Por exemplo, um homem pode ter uma disfunção sexual e também problemas no relacionamento amoroso com sua esposa. Pode ter a disfunção sexual, ser solteiro e ter problemas de ordem profissional, econômica, estar frustrado em outros aspectos da vida social etc. Pode ser tímido ou agressivo com as mulheres. E assim por diante. Se temos que escolher um tema para trabalhar, penso que o mais razoável é tratar da disfunção sexual, uma vez que é possível que muitos dos outros problemas tenham direta ou indireta relação com esse. E mais, que a solução desse problema venha acompanhada de progressos espontâneos em outras áreas. Assim, conversa-se claramente com o paciente sobre o fato de existir mais de uma dificuldade, de que se tem que fechar o leque e focar em um só aspecto como sendo o fundamental porque senão o tempo de duração da terapia poderá ser longo demais – e ainda por cima isso pode implicar em perda de eficiência e menor chance de atingimento de algum resultado em qualquer das áreas de conflito e mesmo em um trabalho de mais longo prazo.
    Nem sempre a resolução daquele problema específico implica no fim da terapia. Aliás, o termo terapia breve significa mais do que tudo a disposição prática de se buscar resultados. Não é obrigatório que termine com a resolução do problema principal que trouxe o paciente para o trabalho psicoterapeutico. Muitos ficam tão encantados com o procedimento terapêutico que se dispõem a práticas mais longas. Estaríamos diante de um falso dilema, qual seja o da análise terminável ou interminável. Penso que é dever do terapeuta avisar o paciente que os principais objetivos propostos no início foram atingidos e que, dali para adiante, se está passando da fase de trabalho que havia sido programada para outra mais genérica. Cabe ao paciente decidir se quer continuar a trocar vivências com seu terapeuta ou se prefere continuar sem esse tipo de troca. Cada caso é um caso e não cabe a nós decidir o destino da outra pessoa. Afinal de contas, somos meros consultores e não temos nenhum tipo de poder ou autoridade.
    Não quero me alongar aqui na descrição do processo de construção de projetos terapêuticos porque eles dependem de cada problema e também de cada tipo de paciente. Alguns são mais verbais e gostam de reflexões psicológicas e filosóficas amplas. Outros são mais diretos e práticos e querem ir atrás de resultados da forma mais objetiva. É importante respeitar o modo de ser do paciente e não impor a eles sempre o mesmo procedimento. Ao menos em parte, é preciso dançar conforme a música. Talvez alguns aspectos do que escrevi até aqui fiquem mais claros à medida que exemplifiquemos por meio de alguns casos clínicos ainda que genéricos. Isso significa que não irei falar desse ou daquele paciente em particular, mas de tipos genéricos construídos com base em minha experiência com milhares de pessoas.
    5. Exemplos de estratégias de tratamento


    a) problemas relacionados mais ao corpo


    Neste grupo de dificuldades as mais comuns são as fobias. Algumas são extremamente simples, como é o caso da fobia de baratas, presente em talvez 40% das mulheres e também em muitos homens. A barata, apesar de inofensiva, é capaz de provocar reações de pavor em várias dessas mulheres a ponto de subirem em móveis, saírem correndo de quartos de hotel etc. Provavelmente se estabelecem por imitação: meninas pequenas, dependentes de suas mães, assistem às manifestações de pavor delas diante das baratas e associam medo àquele animal que, diga-se de passagem, não é mesmo muito simpático. Os meninos assistem seus pais “salvando” as mães e, apesar da antipatia, aprendem que o animal não desperta medo igual nos homens.
    Fobias simples se estabelecem apenas por meio de reflexos condicionados. As tentativas psicanalíticas de interpretação sexual de situações desse tipo estão em total desuso até mesmo pelos psicanalistas. Foram objeto de ironias porque eram mesmo um tanto ridículas: associavam o medo de baratas a situações sexuais envolvendo a genitália feminina! A psicanálise não explica as fobias simples e não dispõe de meios para tratá-las. As únicas técnicas eficientes são as de natureza comportamental. Não há nada a entender em situações como fobias relacionadas com outros animais, aversão relacionada com situações nas quais se passou mal alguma vez no passado – restaurantes, locais públicos muito freqüentados, situações de trânsito caótico etc. Os tratamentos consistem em procedimentos de dessensibilização sistemática: sessões de relaxamento muscular profundo, acompanhadas depois de exposição em fantasia às situações fóbicas. Quando a pessoa é capaz de imaginar a situação fóbica com menos medo, passa-se para a prática, onde se usa processo de aproximação sucessiva e gradual ou a plena exposição brusca e mais radical. Tais tratamentos são desagradáveis e dependem da boa vontade dos pacientes, que só se dispõem a se tratar se tiverem suas vidas práticas muito prejudicadas.
    Outras fobias comuns são um tanto mais complexas, envolvem explicações além dos reflexos condicionados. São sempre difíceis de serem tratadas, uma vez que as pessoas preferem evitar as situações ao invés de se livrarem do medo. É o caso, por exemplo, do medo de altura: a pessoa teme se aproximar do beiral de um terraço alto porque tem a impressão de que algo dentro de si desejará se jogar; teme perder o controle sobre si mesma, de modo que este “algo” predomine e o indesejado venha a ocorrer. Não se trata de desejo de se matar e sim de medo de ter desejo de se jogar. Nunca tratei pessoas com fobia desse tipo, pois isso perturba pouco suas vidas práticas. As que se associam a espaços fechados e cuja saída pode ser difícil em caso de pane, como é o caso de pavor de andar em elevadores, envolvem um enorme medo de se encontrar em situações nas quais ela não poderá sair se for essa sua vontade. Tais medos implicam em experiências traumáticas prévias e o tratamento passa por técnicas comportamentais ou o uso de medicações anti-depressivas, que são tranqüilizantes do medo, associadas a sessões de terapia interpretativa nas quais se discute a dificuldade da pessoa de aceitar com docilidade condições nas quais somos impotentes.
    As agorafobias correspondem a medo de se locomover pelas ruas de uma cidade grande e eventualmente de freqüentar locais muito cheios, como campos de futebol ou um show de música pop. Quase sempre se estabeleceram em virtude do indivíduo ter passado mal em alguma situação na qual não pôde contar com socorro fácil. Ou então, passou algum constrangimento muito desagradável. Lembro-me de um rapaz que fazia roteiros em seus traslados de carro pela cidade tomando por base locais onde poderia ir a um banheiro; sua vivência traumática foi não ter sido capaz de se controlar e ter evacuado na roupa porque não teve acesso em tempo a um banheiro. Outros fazem roteiro dos hospitais porque tiveram algum mal estar que os traumatizou. Os tratamentos são do mesmo tipo que os descritos acima.
    Um exemplo de fobia mais complexa é o medo de voar. O pânico se estabelece ao longo da vida, não obrigatoriamente associado a alguma experiência traumática. Pode existir mesmo em pessoas que jamais entraram em um avião. Um certo medo existe em grande número de pessoas apesar dos dados indicarem que os riscos que corremos são iguais aos que vivenciamos quando estamos em terra. Talvez isso se deva ao fato de que o avião, ao levantar vôo, nos faz lembrar nossa condição de simples mortais, fato que nos passa desapercebido na maior parte do tempo que estamos em terra vivendo e nos atendo aos problemas do cotidiano. O mais comum é que surja justamente em um momento positivo da vida de uma pessoa: por exemplo, quando um homem de origem humilde progride profissionalmente a ponto de poder viajar em férias para longe de casa. Ele pode, de repente, “decidir” que voar é muito perigoso, que ele irá morrer e que por isso não irá mais entrar no avião. É importante registrar que ele, como regra, não passou por nenhuma experiência dolorosa em algum vôo prévio. Tudo leva a crer que se trata de mecanismo essencialmente psicodinâmico, associado à sensação de que ele corre mais perigo agora que está mais feliz e realizado. É como se a felicidade aumentasse o risco efetivo de tragédia e, assim, o medo estaria justificado. O tratamento é feito por meio de terapias cognitivas – explicações acerca dos baixos riscos relacionados com o voar, associadas a visitas a cabinas de comando e outras práticas comuns em alguns centros que existem para tratar dessa fobia – e/ou terapias dinâmicas. O fato é que a pessoa terá, em algum momento, que entrar no avião e enfrentar a situação de medo; nessa hora convém associar medicação anti-depressiva, pois a experiência será menos desagradável e que, nas repetições sucessivas, em um dado momento deverá ser suprimida.
    Na Síndrome do Stress Pós Traumático o que acontece é que uma experiência realmente dramática – seqüestro, assalto com estupro, atos terroristas etc. – se grava de forma muito viva na memória, de modo a ser rememorada periodicamente com o mesmo vigor e igual sofrimento. Trata-se de uma forma de condicionamento tão intenso que o sofrimento volta mesmo sem que tenha havido situação objetiva similar. É como se fosse uma fobia que independa de novos fatos para se reabastecer já que isso acontece por si só. O tratamento ideal é o de acompanharmos a pessoa logo após a vivência traumática, deixando-a falar bastante sobre o assunto, descarregando ao máximo sua dor. Medicação anti-depressiva ajuda a “amolecer” a memória, de modo a que ela aconteça de forma mais suave e tenda a voltar menos vezes e de forma mais suave. Quando atendemos a pessoa muito tempo depois, quando o processo de rememorações já se estabeleceu, a conduta é a de uma terapia interpretativa mais longa com a finalidade de fortalecer a razão delas de modo a serem capazes de lidar melhor com a lembrança que deverá voltar outras vezes, além de eventual medicação sintomática.
    Um exemplo interessante de problema relacionado com a função cerebral desencadeado por processos que nascem na sociedade e na alma, é o das drogadições. Vou me referir apenas à mais comum, que é o tabagismo. Inicialmente depende de questões sociais: nossa sociedade vinha atribuindo ao cigarro uma simbologia toda especial, relacionada com glamour, sucesso com o sexo oposto, irreverência e tantos outros aspectos eróticos capazes de seduzir facilmente a juventude. Trata-se de um processo de sedução induzido pela propaganda – hoje em dia, graças a conhecimento maior que temos a respeito dos malefícios do fumo, toda a sociedade está mobilizada contra esses procedimentos. Acontece que o cigarro encontra terreno fértil em nossa alma, uma vez que é algo que se coloca na boca, algo que, de certa forma, substitui a chupeta. A boca é uma região especialmente sensível desde o início de nossa existência. Ela é responsável por sensações de aconchego e, quando há frustração, desamparo e dor. Assim, alimentos, gomas de mascar, balas e depois o cigarro encontram eco em nossa subjetividade e passam a fazer parte de nossa história amorosa.
    A sociedade atiça nossa vaidade e nos induz ao consumo do cigarro. Nossa alma se sensibiliza com sua chegada e se apega profundamente a ele, o que determina forte dependência psicológica. A nicotina é substância capaz de provocar dependência química, de modo que sua ausência determina sensações desagradáveis, que podem ser intensas, em todo o corpo. Está composto um triângulo infernal, dificílimo de ser resolvido. Explica-se, pois, porque pessoas doentes e plenamente conscientes da necessidade de abandonar o cigarro não o conseguem. O tratamento jamais deveria subestimar qualquer dessas variáveis. A compreensão dos processos sociais e também dos malefícios à saúde ajuda e é tarefa fácil de ser feita nos dias de hoje. A dependência química, em hora oportuna, pode ser amenizada com o uso de gomas de mascar com nicotina – prefiro a goma de mascar aos adesivos justamente porque a boca se entretém um pouco, o que ajuda muito a esquecer o cigarro. Remédios como o Zyban, recentemente introduzidos, ajudam a um certo número de fumantes.
    Do ponto de vista psicológico, tratar de mostrar as complexas relações entre o cigarro e os fenômenos amorosos ajuda muito e pode dar ânimo e coragem para a pessoa se dispor a passar pela dor terrível de ter que renunciar ao cigarro. É como renunciar a um amor por força de uma vontade unilateral, de preferência antes de estar sofrendo dos malefícios que daí derivam. Nada fácil. Juntamente com o trabalho psicodinâmico, convém introduzir variáveis comportamentais, numa seqüência que poderia ser do seguinte tipo: não fumar no dormitório; não fumar no carro; dar um intervalo de pelo menos 12 horas entre o último cigarro da noite e o primeiro da manhã; ir mudando a marca dos cigarros, uma vez que nos apegamos até à embalagem; não fumar enquanto assistimos TV em nossa cadeira favorita, e assim por diante. A própria sociedade tem lançado mão dessas proibições sucessivas, com sucesso relativo e crescente. Ainda assim chegará a hora do “combate final” e sugiro que se espere um momento especial, por exemplo, quando a pessoa está sofrendo de forte gripe, uma vez que é mais fácil abandonar algo que estará piorando muito sua situação. Além do mais, é preciso muita compreensão, pois se trata de um caminho espinhoso, difícil de ser compreendido por quem nunca fumou. Mark Twain, escritor e humorista norte americano costumava dizer: “parar de fumar é fácil; eu mesmo já parei mais de 100 vezes!”


    b) Problemas relacionados mais à alma
    Todos temos algum tipo de lembrança complexa envolvendo nossa infância, especialmente relacionamentos familiares. Um dos problemas mais comuns é aquele que envolve a rivalidade entre um filho pródigo e seu pai. Quantos homens legais não procuram um terapeuta em busca de ajuda porque sempre se sentiram menos queridos do que acham que merecem pelas pessoas em geral e pelos íntimos em particular; estão sempre frustrados porque seus pais, quando vivos, não lhes dá o devido valor. Isso faz um mal terrível à auto-estima dessas criaturas, por vezes tristonhas e cabisbaixas quando poderiam se orgulhar de si e de seus feitos. Problemas dessa ordem, similares a outros que envolvem as relações entre mães e filhas e também rivalidades entre irmãos, são temas especialmente relacionados com a alma – indiretamente têm a ver com a sociedade que nos organizou em famílias e com o corpo que se beneficiou do acasalamento estável para maior chance de sobrevivência da prole. O entendimento de que emoções como ciúme, rivalidades e inveja podem e costumam estar presentes, e de forma predominante, nas relações familiares ajuda muito a pessoa a se conciliar com sua própria história. Nesses casos, o tratamento é essencialmente psicodinâmico e os detalhes de tal tipo de trabalho são dificílimos de serem descritos em poucas palavras, se é que seria possível explicá-las se fosse o caso de escrever longamente sobre ele. O ideal é que cada um aprenda a realizar esse trabalho observando o modo de agir de um profissional mais experiente – que, ainda assim, terá que ser adequado ao modo de ser de cada terapeuta – ou então se submetendo a um processo psicoterapeutico.
    Pessoas de boa formação moral podem vivenciar complexos conflitos quando seus valores entram em choque com os fatos reais ou com sentimentos muito fortes que nascem dentro delas. É o caso, por exemplo, de uma mulher casada e infeliz no matrimônio que se apaixone por outro homem. Caso ela seja portadora de conceitos éticos que impedem a infidelidade, estará diante de complicado dilema e de problemas para decidir o que fazer que podem levar a forte ansiedade, insônia e até mesmo depressão. Dilemas éticos podem acontecer também quando uma mãe tem que se relacionar com uma filha adolescente que se comporta de forma muito diversa daquela que ela aprendeu; isso tanto do ponto de vista de sua vida amorosa e sexual como, por exemplo, se ela decide seguir carreira profissional de natureza artística e isso implicar em se afastar precocemente de casa. As dúvidas surgem sempre que nossas crenças entram em crise e nesses momentos um trabalho psicoterapeutico de tipo psicodinâmico poderá ajudar a pessoa a encontrar novas e melhores formas de lidar com situações que também estão em permanente mudança. Ajudar as pessoas a desenvolver o “cérebro poroso” é tarefa de um terapeuta que também o possua.
    Muitos homens se sentem incomodados, ameaçados e deprimidos quando suas esposas evoluem profissional e financeiramente mais que eles. Entram em crise e, não raro, passam a padecer de algum tipo de dificuldade sexual com elas. Não é incomum que procurem outras mulheres e mesmo que se envolvam com alguma que lhes pareça menos brilhante e menos ameaçadora. Vivem um dilema enorme, pois admiram suas esposas mais que suas amantes mas não conseguem com as esposas a realização sexual que experimentam com elas. Assuntos novos, que rompem velhas crenças e que exigem soluções novas. Tema para psicoterapia dinâmica e oportunidade para maior evolução emocional e mesmo moral. Outras vezes são as mulheres que não sabem se deixam sua carreira de sucesso prosperar porque temem perder seus maridos, que poderiam ficar invejosos e inseguros com o avanço delas. Quantos assuntos podem atormentar a alma! É claro que esses temas têm a ver com o social, mas não com a sociedade atual e sim com o que era a vida familiar até há algumas décadas, de modo que fazem mais do que tudo parte de nossas crenças, importante ingrediente de nossa subjetividade.
    Os dilemas de ordem sentimental ocupam espaço importantíssimo em nossa alma. Temos medo de nos ligar muito intensamente às pessoas, ao mesmo tempo que temos medo de ficar sozinhos. Temos vontade de nos dar bem com nossos pares, mas parece que nos irritamos particularmente com os defeitos deles – é como se eles não os pudessem ter; e mais, chamamos de defeitos aquilo que é diferente do que somos, de modo que nos colocamos como referência de perfeição. O mais curioso é que os escolhemos exatamente por serem como são, de modo que os defeitos nos convinham porque garantiam um certo distanciamento, um encaixe imperfeito que resolvia outros medos relacionados com a plena fusão. Adolescentes sempre se interessam por aqueles que não estão interessados neles; tal procedimento não raramente se estende ao longo da vida, especialmente de mulheres que, ao que tudo indica, não querem se casar, mas não aceitam que essa seja a sua verdade íntima. Ou seja, muitas vezes nos enganamos a respeito de nossas intenções, de modo que um bom modo de sabermos o que exatamente queremos é verificarmos o que, de fato, estamos fazendo e não tanto aquilo que estamos pensando ou desejando.
    Gostaria de salientar ainda mais um assunto, extremamente comum, entre tantos outros que poderia apontar. Trata-se daquilo que se chama de hipocondria, ou seja, um medo crônico e indevido de doenças. O medo é indevido porque a pessoa já esteve se consultando com vários médicos e não se convenceu de que não é portadora de nenhuma doença. Insiste em que passa mal, que sente dores no peito, tonturas, sensações de desmaio iminente, palpitações, extra-sístoles, dores fortíssimas no estômago, diarréia e tudo o mais que podemos sentir quando estamos em pânico. O curioso e importante a ser observado acerca desses casos é que tais pessoas nunca estão efetivamente doentes – aliás, se passam por algum problema físico efetivo, imediatamente param de se queixar dos sintomas próprios da hipocondria. A análise da história de vida dessas pessoas não dá indícios de que a hipocondria seja devida a causas prévias, nem mesmo se explicam em virtude de conflitos e dramas que estejam vivendo atualmente. A regra é que o indivíduo se torne hipocondríaco em algum bom momento de sua vida. Isso é importante para que reflitamos que nossa alma pode se desequilibrar também por motivos positivos, o que não creio que aconteça com o corpo. Nos assustamos quando estamos muito bem, muito felizes. Já disse que parece que isso atrai algum tipo de tragédia, que provoca a ira dos deuses e a inveja dos humanos. O que fazemos? Destruímos, por conta própria, uma boa parte de nossa felicidade por meio da produção de sintomas desagradáveis e medo terrível de que iremos morrer em breve. O mecanismo faz parte do que chamo de medo da felicidade e que é um dos componentes a serem sempre considerados quando estamos diante de questões relacionadas com a alma. Temos medo porque não temos controle sobre as variáveis fundamentais de nossa vida e é essencial que aprendamos a nos posicionar com humildade diante desse fato. Temos que aprender a lidar melhor com a real condição humana, de desamparo e também de relativa insignificância. Esses são grandes problemas para a alma e alguns dos fundamentais temas para os psicoterapeutas em sua vertente psicodinâmica.
    Reafirmo a importância, em todos os casos de psicoterapia psicodinâmica, de tentarmos constituir um foco, uma meta definida a ser perseguida. No caso das fobias e outras questões relacionadas com o corpo, o objetivo é claro e se mostra por si. Nos outros casos, é preciso focar ou na questão da auto-estima, no dilema moral e a necessidade de superar nosso ponto de vista para poder dar solução àquele dado problema prático, no medo da felicidade, na dócil aceitação de que não temos mesmo controle sobre as variáveis fundamentais, e assim por diante. Qualquer avanço em uma área costuma se expandir para as outras. Aquela que mais se beneficia de qualquer avanço íntimo é a das relações interpessoais. O trato com os “outros” melhora sempre que estamos melhor conosco, a não ser naqueles poucos casos em que o problema fundamental tenha a ver com isso – crianças que foram rejeitadas por colegas na escola porque eram diferentes da média, estrangeiros que mudam de país e têm dificuldades com a nova língua etc.



    c) Problemas relacionados mais com a sociedade

    Já registrei o impacto negativo sobre as moças jovens e inexperientes, sedentas de um lugar ao sol no jogo erótico que se estabelece entre elas na conquista dos rapazes mais disputados, produzido pelas imagens de modelos e símbolos sexuais femininas altas e magérrimas. É ínfima a proporção de moças que naturalmente se aproximam desse modelo, hoje tido como ideal – sim, porque até há poucas décadas a mulher atraente era aquela em que as formas realçavam, o que implicava em uns 10% de peso a mais do que hoje; e já foi muito mais. O peso ideal e a aparência física mais atraente são definidos pela cultura, segundo critérios variados, que vão desde sinais de prosperidade, passando por aquilo que se acredita ser bom para a saúde e chegando perto dos interesses comerciais da indústria de roupas e cosméticos em geral.
    O fato é que as moças que não estão de acordo com o padrão – quase todas – se sentem muito mal, inferiorizadas e menos atraentes ainda que despertem o interesse de um bom número de rapazes. Elas todas desejariam ser as mais belas, sem perceber que isso é impossível e não tão relevante. Mas quem conversa com uma adolescente sabe que nada é mais importante que estar em sintonia com o que pensam e o modo como se comportam os seus pares. Assim sendo, praticamente todas as moças passam a fazer dietas com o intuito de perder peso e estarem de acordo com o padrão atual. Quando não conseguem o grau de sacrifício necessário, passam a vomitar após as refeições ou sempre que comem algo “proibido”. Outras se sentem encantadas com o poder que desenvolvem de dominar seu apetite, de modo que praticamente não se alimentam por dias seguidos. Se sentem orgulhosas com sua disciplina e força de vontade e isso se torna mais importante que tudo. Passam a perder peso indefinidamente, definhando e adoecendo. Desenvolvem um quadro difícil de reverter, pois acabam por “adorar” sua competência para jejuar.
    O tratamento, nesses casos cada vez mais freqüentes e complexos, passa por uma fase cognitiva, onde é preciso explicar que estão pensando mal a respeito das “ordens” que estão recebendo de fora, que nem tudo é para ser obedecido ao pé da letra, que não existem represálias para os transgressores desse tipo de solicitação do meio. Passa depois para uma fase dinâmica e interpretativa das questões relativas à vida afetiva, necessidade de ser aceito pelo grupo, desejo de sucesso social, especialmente com o sexo oposto, necessidade de auto-afirmação e tantas outras questões básicas para quem está iniciando a vida adulta. Nos casos mais graves, especialmente de anorexia nervosa, é necessária a internação hospitalar, alimentação por via intra-venosa e medicação antidepressiva para desfazer este quadro que mais parece um transtorno obsessivo. No caso da bulimia, os resultados costumam ser mais fáceis de serem atingidos, mas a experiência ensina que há forte tendência à reincidência: cada vez que a moça engorda um pouco mais, volta a vomitar. É como se tivesse aprendido a “roubar” no jogo das calorias. O tratamento deve, por vezes, se estender um pouco mais justamente para tratar desse aspecto “moral”. Existe também a necessidade de um trabalho de linhagem comportamental ligado à mudança definitiva de hábitos alimentares. Já disse e repito que estabelecer associações e criar hábitos é muito fácil. Desfazê-los é tarefa difícil e cheia de dificuldades. Nem por isso devemos nos acomodar e deixar de nos empenharmos ao máximo no sentido de ajudar o paciente a alterar todos os hábitos inadequados.
    Outro tipo de dificuldade, essencialmente masculina, é a relativa ao pleno exercício da função sexual justamente em virtude deles se sentirem excessivamente exigidos nessa área. Ouvimos, desde sempre, que um homem de verdade não recusa situações eróticas, que não sente medo e nem evita uma mulher em hipótese alguma, que deverá ser capaz de ter não sei quantas relações em seguida, e assim por diante. Enfim, crescemos com a idéia grosseira de que “quanto mais, melhor” e que jamais deveríamos dizer “não” a uma mulher. Isso seria coisa de maricas! Vejam a situação dos homens, especialmente os mais delicados: têm que desempenhar sempre de acordo com a expectativa que o meio social tem deles; o pior é que nem sempre conseguem. Aí, fracassam. A sensação é desastrosa e terrível. Em qualquer outra situação, mesmo mais adequada, o pavor de novos fracassos passa a perseguir aquele que um dia fracassou – é incrível, mas o homem quando não consegue manter a ereção e ter a relação sexual numa situação específica generaliza sua experiência e sua ansiedade de modo que passa a duvidar sistematicamente de sua virilidade.
    Acontece que o medo de fracassar se torna a principal causa de novos fracassos. Sim, porque o homem vai para cada relacionamento ansioso e com medo, o que implica em vaso-constricção, o oposto do que é necessário para que haja a ereção. Se não conseguir reduzir a ansiedade, o que depende muito do comportamento da mulher com quem ele está, não conseguirá manter a relação normal outra vez. Isso pode se tornar rotina e a dificuldade tende a crescer. Esses homens têm ereção normal quando dormem, quando estão mantendo intimidades com uma mulher longe da situação de terem que ir para a cama – num baile, por exemplo. Ou seja, não necessitam de exames urológicos para sabermos que estão fisicamente bem. Técnicas comportamentais variadas, desenvolvidas desde o fim dos anos 60 a partir dos trabalhos de Masters e Johnson, são muito eficientes para reduzir a ansiedade associada à situação erótica e recriar condições positivas para o exercício da função erótica. Elas passam por pedir ao homem que tenha uma companheira cooperativa, com quem possa reaprender – ou aprender – a ficar na cama sem se sentir obrigado a nada – conforme o caso, convém proibi-lo de ir para além de certas carícias mais superficiais, o que o deixará ainda mais calmo – até que seja capaz de recuperar a serenidade e a autoconfiança.
    Hoje em dia as pessoas têm se socorrido de medicamentos tipo Viagra, vasodilatadores da região peniana, que ajudariam a manter a ereção, já que atuam na direção oposta à da ansiedade e do medo. Eles substituiriam as técnicas de tipo comportamental, com a desvantagem de que a pessoa tende a se tornar um tanto dependente da medicação. É aí que entra como elemento fundamental, ao menos do meu ponto de vista, a psicoterapia dinâmica, que conduziria o paciente a trabalhar essa terrível e indevida dependência, presente na grande maioria dos homens, de sua competência sexual. Ou seja, não tem cabimento que nossa auto-estima e orgulho pessoal esteja vinculada ao nosso desempenho sexual. Isso, no mínimo, deixa os homens extremamente fracos perante as mulheres; mais precisamente, mostra a fraqueza que sentimos em relação a elas, assunto que é um dos temas da psicoterapia. Uma postura nova, mais independente e menos preocupada com desempenho e com o jogo de poder entre os sexos, é indispensável para a resolução dessa dificuldade no longo prazo.
    De uma forma geral, podemos dizer que, aqui como em tantos outros tipos de problemas descritos, os medicamentos tendem a substituir as terapias comportamentais. No que diz respeito à psicoterapia de caráter dinâmico, ela me parece cada vez mais necessária e insubstituível, especialmente quando se pretende consolidar resultados no longo prazo e quando se pretende tirar lições mais profundas e definitivas dos sofrimentos que a vida nos impõe.
    O meio social influencia bastante na formação de uma personalidade predisposta à homossexualidade masculina. Na medida que vivemos num meio que considera parte da virilidade o menino ser portador de uma certa dose de agressividade, competência para revidar quando objeto de ironias e brincadeiras violentas, essa mesma sociedade faz com que aqueles meninos mais delicados e medrosos, mais sensíveis e menos competentes para situações agressivas, cresçam com dúvidas acerca de sua virilidade, sendo chamado por apelidos que indicam sua futura predisposição homossexual. Chegam à puberdade inseguros, com medo de fracassar. Se isso acontecer, ou mesmo se o medo for maior que a coragem para procurar uma mulher, o rapaz não terá mais dúvidas: é homossexual! Ainda mais se for bonito e perceber que é desejado por outros homens mais velhos e que já estão encaminhados nessa direção. Trata-se de mais um caso em que a profecia parece se auto-realizar. Tendo da homossexualidade uma visão desse tipo, é claro que acho possível tratá-la; isso para aqueles que efetivamente assim o desejarem.
    Inúmeros outros problemas emocionais derivam de pressões sociais relacionadas com o preenchimento de um padrão médio que não serve para todos. Os que são mais baixos do que o usual da população são objeto de ironias e brincadeiras desde crianças, condição incômoda e humilhante. Tentam disfarçar a violência com que sentem o golpe e tendem a se transformar em adultos ressentidos, vingativos e muito ambiciosos. O mesmo acontece com aqueles que são mais gordos, mais altos, que tem os cabelos de um tipo que não está entre os corriqueiros, o que fala com a língua presa etc. As pressões são tantas e tão variadas que os sentimentos de inferioridade podem ser considerados como universais. Eles são responsáveis por sérias dificuldades de socialização que se manifestam em muitos dos que não forem capazes de encontrar melhor solução para suas mágoas: tendem a ser retraídos e agirem como rejeitados por antecipação, outra profecia que se auto-realiza, já que o que se coloca assim defensivamente aparece aos olhos dos “outros” como arrogante e pretensioso, o que desperta sentimentos negativos.
    Muitos se tornam extraordinariamente tímidos, sempre achando que não irão agradar e que sua presença será tida como um incômodo para as outras pessoas. Tentam ocupar o mínimo de espaço possível e se retraem, o que determina reações pouco simpáticas por parte dos interlocutores, o que reforça a postura cada vez mais defensiva. Os tratamentos nesses casos têm que ser de tipo psicodinâmico, tentando, através da própria vivência terapêutica, alterar o ponto de vista da pessoa a respeito de si mesma. A psicoterapia terá que ser uma “experiência emocional corretiva”, para usar a expressão de F. Alexander: o paciente irá se comportar como é, se mostrar como, de fato, é, e perceberá que pode despertar sentimentos positivos sinceros por parte do terapeuta. Vivências desse tipo neutralizam e desorganizam pontos de vista cristalizados na subjetividade do paciente. Aliás, todos os procedimentos terapêuticos deveriam conter, entre os seus vários ingredientes, esse do indivíduo se sentir aceito e respeitado do modo como efetivamente é. Isso só pode acontecer se o terapeuta não for pessoa crítica e nem se arvorar em juiz.
    A timidez radical é, por vezes, fenômeno mais complexo, encobrindo dificuldades específicas da área sexual ou mesmo fazendo parte de um tipo de personalidade chamada de esquizóide, onde dificuldades de comunicação derivam de supostas alterações cerebrais de caráter genético. Não são freqüentes e escapam aos objetivos desse trabalho, uma vez que não poderiam ser tratadas a não ser por psicoterapias sem prazo definido, além de eventual acompanhamento medicamentoso. Quando existem causas definidas escondidas por trás das dificuldades de convívio social, convém tratá-las primeiro para ver se a inibição no trato com as outras pessoas não se dissolve por si.

    Nota
    Cabe registrar o que não convém tratar por meio de psicoterapias breves. Meu ponto de vista é o de que todas as terapias de longo prazo deveriam se basear em premissas similares às apontadas acima: uma base teórica eclética, um projeto definido de trabalho proposto e praticado por um terapeuta humano, sensato, empático, ousado e maduro emocional e moralmente. Porém, há distúrbios que sabemos, pela experiência, que exigem mais tempo de convívio, falta total de pressão de resultado em um dado tempo e enorme paciência e persistência por parte do terapeuta e do cliente. Entre os casos que se enquadram nessa categoria, cito: narcisismo (narcisismo patológico na linguagem de alguns autores, tais como Kernberg; do meu ponto de vista, narcisismo é sempre patológico, pois corresponde a egoísmo, baixa auto-estima e descontrole de emoções, especialmente agressivas) e todos os outros distúrbios de personalidade mais graves. Vale o mesmo para os transtornos obsessivo-compulsivos, que exigem tratamento mais longo, uso de medicações antidepressivas e eventuais recursos comportamentais. Dentre as questões que envolvem os sentimentos amorosos, as histórias de paixão por vezes exigem tratamentos prolongados e muita paciência, uma vez que as pessoas costumam encontrar grandes dificuldades em resolver os dilemas triangulares usuais nesses casos. Como já apontei, o tratamento dos casos de homossexualidade, quando é essa a vontade do paciente – e só nesses casos é que cabe tratamento – requer perícia, paciência e persistência por parte das duas partes envolvidas no trabalho.

    SUMÁRIO


    1. O presente texto faz um relato histórico sucinto e pessoal de como foram as minhas vivências e reflexões acerca dos processos psicoterapêuticos ao longo do século XX e em especial no período correspondente aos últimos 40 anos, por mim acompanhados pessoalmente. Faço um relato da evolução do pensamento psicanalítico e também das reflexões ligadas aos tratamentos de base comportamental. Mostro como muitas técnicas foram construídas graças à influência do pragmatismo norte-americano, de modo a desembocar em um tipo de tratamento não comprometido com nenhuma escola específica e que aqui estou chamando de psicoterapia breve sem escola.
    2. O fundamento teórico para um trabalho desse tipo não implica em ausência de formação teórica. Ao contrário, passa por uma mente aberta e porosa capaz de incorporar aspectos positivos e geradores de bons resultados práticos presentes em todos os tipos de psicoterapia. Em essência, pode ser definido como respeito ao paradigma de que somos seres bio-psico-sociais, expressão corriqueira mas difícil de ser entendida em toda sua profundidade. Pretendo mostrar em algum detalhe as características correspondentes a esse modo de ser que nos faz ter como “natureza” o fato de não termos natureza fixa. Descrevo como cada um desses elementos da tríade interfere sobre os diversos tipos de problemas e patologias que temos que nos haver em nossa prática quotidiana, mostrando sempre a enorme inter-relação que existe entre os três segmentos que nos constituem.
    3. Analiso em seguida as peculiaridades essenciais de um bom terapeuta, aquele preparado para melhor ajudar seus pacientes. Isso parece ser mais importante do que a escola a que o terapeuta se filia. Entre as competências fundamentais estão a boa capacidade de estabelecer uma relação empática – entendida como capacidade de entrar na alma do outro e não apenas se colocar no lugar do outro –, além de adequada evolução emocional e moral. O bom terapeuta tem que ser ousado, sem medo de errar e principalmente sem problemas para reconhecer o erro e aprender com ele. Não deve olhar seu paciente como alguém a ser catalogado segundo critérios preexistentes. Idealmente deveria “esquecer” tudo o que sabe para melhor ouví-los de uma forma que seja livre de idéias pré-concebidas.
    4. A primeira consulta em tratamentos desse tipo é de fundamental importância, pois será o momento em que o terapeuta se deixará conhecer, sendo essencial que se mostre como é, sincero e confiável – se assim o for. O paciente terá que se sentir seguro, porém o terapeuta terá que ser cauteloso nas interpretações de modo não assustá-lo e intimidá-lo. O mais importante é que ambos, em conjunto, sejam capazes de chegar a um acordo a respeito de um projeto de trabalho que implique na escolha de um tema específico a ser abordado com a finalidade de poder limitar o trabalho a um número relativamente baixo de consultas e também com o intuito de aumentar a eficiência do próprio processo terapêutico. O trabalho psicoterapêutico poderá se estender para além do prazo previsto e mesmo depois de atingidos os objetivos propostos; só que agora se trata de um processo facultativo, dependente do interesse e fascínio que o paciente tenha desenvolvido pelo autoconhecimento.
    5. Em termos bastante genéricos são descritos vários tipos de procedimentos terapêuticos relacionados com o tipo de visão que desenvolvi em decorrência da enorme experiência clínica que acumulei ao longo de quase 40 anos de trabalho. Muitos casos se beneficiam mais de tratamentos de caráter comportamental e também cognitivo-comportamental. Outros são muito facilitados pelo uso concomitante de medicamentos. Muitas vezes o uso de fármacos substitui o trabalho de tipo comportamental. Quase todos os pacientes se beneficiam de algumas sessões de caráter dinâmico, onde são discutidos elementos históricos capazes de explicar, ao menos em parte, o que vivenciam hoje e construir propostas claras de mudanças para o futuro. Outras vezes o que se busca é a experiência emocional corretiva no seio do próprio contexto da relação profissional-paciente, base para mudanças que tendem a se estender para todos os domínios da vida da pessoa. De todo o modo, espera-se que um bom resultado naquilo que foi focado seja capaz de se espalhar, trazendo progressos em outras áreas da vida emocional e prática do paciente.

    Flávio Gikovate, médico psiquiatra, psicoterapeuta e escritor





    Livros Recomendados:
    Alexander, F. e French, T. (1965). Terapeutica Psicoanalítica. Buenos Aires: Editora Paidós.
    Bauman, Z. (2001). Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.
    Bowlby, J. (1982). Attachment. New York: Basic Books.
    Dobson, K.S. (2001). Handbook og Cognitive Behavioral Therapies. New York: The Guilford Press.
    Ferenczi, S. (1991). Obras Completas – Psicanálise I. São Paulo: Editora Martins Fontes.
    Gikovate, F. (1989). Homem: O Sexo Frágil? São Paulo: MG Editores.
    _______ (1990). Cigarro: Um Adeus Possível. São Paulo: MG Editores.
    _______ (2000). A Liberdade Possível. São Paulo: MG Editores.
    _______ Corpo, Alma e Sociedade. Artigo em site: (www.flaviogikovate.com.br).
    Gunderson, J. G. e Gabbard, G. O. (2000). Psychotherapy for Personality Disorders. Washington: American Psychiatric Press.
    Groves, J. E. (ed.) (1996). Essential Papers on Short-term Dynamic Therapy. N.York: N.York University Press.
    Halpern, J. (2001). From Detached Concern to Empathy. New York: Oxford University Press.
    Ortega Y Gasset, J. (1971). Historia como Sistema. Madrid: Espasa-Calpe S.A..
    _______ (1940). Ideas Y Creencias. Buenos Aires: Espasa-Calpe Argentina S.A..
    Rank, O. (1996). A Psychology of Difference. Princeton: Princeton University Press.
    Savater, F. (2003). El Valor de Elegir. Barcelona: Ariel.
    posted by iSygrun Woelundr @ 8:25 da tarde  
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